O Espelho – Guimarães Rosa

O Espelho – Guimarães Rosa

Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade — um espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.

Fixemo-nos no concreto. O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refletem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente imudado, do qual lhe dão imagem fiel. Mas — que espelho? Há-os «bons» e «maus», os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade ou fidedignidade? Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível? O senhor dirá: as fotografias o comprovam. Respondo: que, além de prevalecerem para as lentes das máquinas objeções análogas, seus resultados apóiam antes que desmentem a minha tese, tanto revelam superporem-se aos dados iconográficos os índices do misterioso. Ainda que tirados de imediato um após outro, os retratos sempre serão entre si muito diferentes. Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes. E as máscaras, moldadas nos rostos? Valem, grosso modo, para o falquejo das formas, não para o explodir da expressão, o dinamismo fisionômico. Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.

Resta-lhe argumento: qualquer pessoa pode, a um tempo, ver o rosto de outra e sua reflexão no espelho. Sem sofisma, refuto-o. O experimento, por sinal ainda não realizado com rigor, careceria de valor científico, em vista das irredutíveis deformações, de ordem psicológica. Tente, aliás, fazê-lo, e terá notáveis surpresas. Além de que a simultaneidade torna-se impossível, no fluir de valores instantâneos. Ah, o tempo é o mágico de todas as traições… E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. Por começo, a criancinha vê os objetos invertidos, daí seu desajeitado tactear; só a pouco e pouco é que consegue retificar, sobre a postura dos volumes externos, uma precária visão. Subsistem, porém, outras pechas, e mais graves. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente… E então?

Note que meus reparos limitam-se ao capítulo dos espelhos planos, de uso comum. E os demais — côncavos, convexos, parabólicos — além da possibilidade de outros, não descobertos, apenas, ainda? Um espelho, por exemplo, tetra ou quadridimensional? Parece-me não absurda, a hipótese. Matemáticos especializados, depois de mental adestramento, vieram a construir objetos a quatro dimensões, para isso utilizando pequenos cubos, de várias cores, como esses com que os meninos brincam. Duvida?

Vejo que começa a descontar um pouco de sua inicial desconfiança, quanto ao meu são juízo. Fiquemos, porém, no terra-a-terra. Rimo-nos, nas barracas de diversões, daqueles caricatos espelhos, que nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos. Mas, se só usamos os planos — e nas curvas de um bule tem-se sofrível espelho convexo, e numa colher brunida um côncavo razoável — deve-se a que primeiro a humanidade mirou-se nas superfícies de água quieta, lagoas, lameiros, fontes, delas aprendendo a fazer tais utensílios de metal ou cristal. Tirésias, contudo, já havia predito ao belo Narciso que ele viveria apenas enquanto a si mesmo não se visse… Sim, são para se ter medo, os espelhos.

Temi-os, desde menino, por instintiva suspeita. Também os animais negam-se a encará-los, salvo as críveis excepções. Sou do interior, o senhor também; na nossa terra, diz-se que nunca se deve olhar em espelho às horas mortas da noite, estando-se sozinho. Porque, neles, às vezes, em lugar de nossa imagem, assombra-nos alguma outra e medonha visão. Sou, porém, positivo, um racional, piso o chão a pés e patas. Satisfazer-me com fantásticas não-explicações? — jamais. Que amedrontadora visão seria então aquela? Quem o Monstro?

Sendo talvez meu medo a revivescência de impressões atávicas? O espelho inspirava receio supersticioso aos primitivos, aqueles povos com a idéia de que o reflexo de uma pessoa fosse a alma. Via de

regra, sabe-o o senhor, é a superstição fecundo ponto de partida para a pesquisa. A alma do espelho — anote-a — esplêndida metáfora. Outros, aliás, identificavam a alma com a sombra do corpo; e não lhe terá escapado a polarização: luz—treva. Não se costumava tapar os espelhos, ou voltá-los contra a parede, quando morria alguém da casa? Se, além de os utilizarem nos manejos da magia, imitativa ou simpática, videntes serviam-se deles, como da bola de cristal, vislumbrando em seu campo esboços de futuros fatos, não será porque, através dos espelhos, parece que o tempo muda de direção e de velocidade? Alongo-me, porém. Contava-lhe…

— Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei… Explico-lhe: dois espelhos — um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo propício — faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento, espavor. E era — logo descobri… era eu, mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer essa revelação?

Desde aí, comecei a procurar-me — ao eu por detrás de mim — à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio. Isso, que se saiba, antes ninguém tentara. Quem se olha em espelho, o faz partindo de preconceito afetivo, de um mais ou menos falaz pressuposto: ninguém se acha na verdade feio: quando muito, em certos momentos, desgostamo-nos por provisoriamente discrepantes de um ideal estético já aceito. Sou claro? O que se busca, então, é verificar, acertar, trabalhar um modelo subjetivo, preexistente; enfim, ampliar o ilusório, mediante sucessivas novas capas de ilusão. Eu, porém, era um perquiridor imparcial, neutro absolutamente. O caçador de meu próprio aspecto formal, movido por curiosidade, quando não impessoal, desinteressada; para não dizer o urgir científico. Levei meses.

Sim, instrutivos. Operava com toda a sorte de astúcias: o rapidíssimo relance, os golpes de esguelha, a longa obliqüidade apurada, as contra-surpresas, a finta de pálpebras, a tocaia com a luz de-repente acesa, os ângulos variados incessantemente. Sobretudo, uma inembotável paciência. Mirava-me, também, em marcados momentos — de ira, medo, orgulho abatido ou dilatado, extrema alegria ou tristeza. Sobreabriam-se-me enigmas. Se, por exemplo, em estado de ódio, o senhor enfrenta objetivamente a sua imagem, o ódio reflui e recrudesce, em tremendas multiplicações: e o senhor vê, então, que, de fato, só se odeia é a si mesmo. Olhos contra os olhos. Soube-o: os olhos da gente não têm fim. Só eles paravam imutáveis, no centro do segredo. Se é que de mim não zombassem, para lá de uma máscara. Porque, o resto, o rosto, mudava permanentemente. O senhor, como os demais, não vê que seu rosto é apenas um movimento deceptivo, constante. Não vê, porque mal advertido, avezado; diria eu: ainda adormecido, sem desenvolver sequer as mais necessárias novas percepções. Não vê, como também não se vêem, no comum, os movimentos translativo e rotatório deste planeta Terra, sobre que os seus e os meus pés assentam. Se quiser, não me desculpe; mas o senhor me compreende.

Sendo assim, necessitava eu de transverberar o embuço, a travisagem daquela máscara, a fito de devassar o núcleo dessa nebulosa — a minha vera forma. Tinha de haver um jeito. Meditei-o. Assistiram-me seguras inspirações.

Concluí que, interpenetrando-se no disfarce do rosto externo diversas componentes, meu problema seria o de submetê-las a um bloqueio “visual” ou anulamento perceptivo, a suspensão de uma por uma, desde as mais rudimentares, grosseiras, ou de inferior significado. Tomei o elemento animal, para começo.

Parecer-se cada um de nós com determinado bicho, relembrar seu facies, é fato. Constato-o, apenas; longe de mim puxar à bimbalha temas de metempsicose ou teorias biogenéticas. De um mestre, aliás, na ciência de Lavater, eu me inteirara no assunto. Que acha? Com caras e cabeças ovinas ou eqüinas, por exemplo, basta- lhe relancear a multidão ou atentar nos conhecidos, para reconhecer que os há, muitos. Meu sósia inferior na escala era, porém — a onça. Confirmei-me disso. E, então, eu teria que, após dissociá-los meticulosamente, aprender a não ver, no espelho, os traços que em mim recordavam o grande felino. Atirei-me a tanto.

Releve-me não detalhar o método ou métodos de que me vali, e que revezavam a mais buscante análise e o estrênuo vigor de abstração. Mesmo as etapas preparatórias dariam para aterrar a quem menos pronto ao árduo. Como todo homem culto, o senhor não desconhece a Ioga, e já a terá praticado, quando não seja, em suas mais elementares técnicas. E, os “exercícios espirituais” dos jesuítas, sei de filósofos e pensadores incréus que os cultivam, para aprofundarem-se na capacidade de concentração, de par com a imaginação criadora… Enfim, não lhe oculto haver recorrido a meios um tanto empíricos: gradações de luzes, lâmpadas coloridas, pomadas fosforescentes na obscuridade. Só a uma expediência me recusei, por medíocre senão falseadora, a de empregar outras substâncias no aço e estanhagem dos espelhos. Mas, era principalmente no modus de focar, na visão parcialmente alheada, que eu tinha de agilitar-me: olhar não-vendo.. Sem ver o que, em meu rosto, não passava de reliquat bestial. Ia-o conseguindo?

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Saiba que eu perseguia uma realidade experimental, não uma hipótese imaginária. E digo-lhe que nessa operação fazia reais progressos. Pouco a pouco, no campo-de-vista do espelho, minha figura reproduzia-se-me lacunar, com atenuadas, quase apagadas de todo, aquelas partes excrescentes. Prossegui. Já aí, porém, decidindo- me a tratar simultaneamente as outras componentes, contingentes e ilusivas. Assim, o elemento hereditário — as parecenças com os pais e avós — que são também, nos nossos rostos, um lastro evolutivo residual. Ah, meu amigo, nem no ovo o pinto está intacto. E, em seguida, o que se deveria ao contágio das paixões, manifestadas ou latentes, o que ressaltava das desordenadas pressões psicológicas transitórias. E, ainda, o que, em nossas caras, materializa idéias e sugestões de outrem; e os efêmeros interesses, sem seqüência nem antecedência, sem conexões nem fundura. Careceríamos de dias, para explicar-lhe. Prefiro que tome minhas afirmações por seu valor nominal.

À medida que trabalhava com maior mestria, no excluir, abstrair e abstrar, meu esquema perspectivo clivava-se, em forma meândrica, a modos de couve-flor ou bucho de boi, e em mosaicos, e francamente cavernoso, como uma esponja. E escurecia-se. Por aí, não obstante os cuidados com a saúde, comecei a sofrer dores de cabeça. Será que me acovardei, sem menos? Perdoe-me, o senhor, o constrangimento, ao ter de mudar de tom para confidência tão humana, em nota de fraqueza inesperada e indigna. Lembre-se, porém, de Terêncio. Sim, os antigos; acudiu-me que representavam justamente com um espelho, rodeado de uma serpente, a Prudência, como divindade alegórica. De golpe, abandonei a investigação. Deixei, mesmo, por meses, de me olhar em qualquer espelho.

Mas, com o comum correr quotidiano, a gente se aquieta, esquece-se de muito. O tempo, em longo trecho, é sempre tranqüilo. E pode ser, não menos, que encoberta curiosidade me picasse. Um dia… Desculpe- me, não viso a efeitos de ficcionista, inflectindo de propósito, em agudo, as situações. Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e não me vi. Não vi nada. Só o campo, liso, às vácuas, aberto como o sol, água limpíssima, à dispersão da luz, tapadamente tudo. Eu não tinha formas, rosto? Apalpei-me, em muito. Mas, o invisto. O ficto. O sem evidência física. Eu era — o transparente contemplador?… Tirei-me. Aturdi-me, a ponto de me deixar cair numa poltrona.

Com que, então, durante aqueles meses de repouso, a faculdade, antes buscada, por si em mim se exercitara! Para sempre? Voltei a querer encarar-me. Nada. E, o que tomadamente me estarreceu: eu não via os meus olhos. No brilhante e polido nada, não se me espelhavam nem eles!

Tanto dito que, partindo para uma figura gradualmente simplificada, despojara-me, ao termo, até à total desfigura. E a terrível conclusão: não haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma? Seria eu um… desalmado? Então, o que se me fingia de um suposto eu, não era mais que, sobre a persistência do animal, um pouco de herança, de soltos instintos, energia passional estranha, um entrecruzar-se de influências, e tudo o mais que na impermanência se indefine? Diziam-me isso os raios luminosos e a face vazia do espelho — com rigorosa infidelidade. E, seria assim, com todos? Seríamos não muito mais que as crianças — o espírito do viver não passando de ímpetos espasmódicos, relampejados entre miragens: a esperança e a memória.

Mas, o senhor estará achando que desvario e desoriento-me, confundindo o físico, o hiperfísico e o transfísico, fora do menor equilíbrio de raciocínio ou alinhamento lógico — na conta agora caio. Estará pensando que, do que eu disse, nada se acerta, nada prova nada. Mesmo que tudo fosse verdade, não seria mais que reles obsessão auto-sugestiva, e o despropósito de pretender que psiquismo ou alma se retratassem em espelho…

Dou-lhe razão. Há, porém, que sou um mau contador, precipitando-me às ilações antes dos fatos, e, pois: pondo os bois atrás do carro e os chifres depois dos bois. Releve-me. E deixe que o final de meu capítulo traga luzes ao até agora aventado, canhestra e antecipadamente.

São sucessos muito de ordem íntima, de caráter assaz esquisito. Narro-os, sob palavra, sob segredo. Pejo-me. Tenho de demais resumi-los.

Pois foi que, mais tarde, anos, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes, de novo me defrontei — não rosto a rosto. O espelho mostrou-me. Ouça. Por um certo tempo, nada enxerguei. Só então, só depois: o tênue começo de um quanto como uma luz, que se nublava, aos poucos tentando-se em débil cintilação, radiância. Seu mínimo ondear comovia-me, ou já estaria contido em minha emoção? Que luzinha, aquela, que de mim se emitia, para deter-se acolá, refletida, surpresa? Se quiser, infira o senhor mesmo.

São coisas que se não devem entrever; pelo menos, além de um tanto. São outras coisas, conforme pude

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distinguir, muito mais tarde — por último — num espelho. Por aí, perdoe-me o detalhe, eu já amava — já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria. E… Sim, vi, a mim mesmo, de novo, meu rosto, um rosto; não este, que o senhor razoavelmente me atribui. Mas o ainda-nem-rosto — quase delineado, apenas — mal emergindo, qual uma flor pelágica, de nascimento abissal… E era não mais que: rostinho de menino, de menos- que-menino, só. Só. Será que o senhor nunca compreenderá?

Devia ou não devia contar-lhe, por motivos de talvez. Do que digo, descubro, deduzo. Será, se? Apalpo o evidente? Tresbusco. Será este nosso desengonço e mundo o plano — intersecção de planos — onde se completam de fazer as almas?

Se sim, a “vida” consiste em experiência extrema e séria; sua técnica — ou pelo menos parte — exigindo o consciente alijamento, o despojamento, de tudo o que obstrui o crescer da alma, o que a atulha e soterra? Depois, o “salto mortale”… — digo-o, do jeito, não porque os acrobatas italianos o aviventaram, mas por precisarem de toque e timbre novos as comuns expressões, amortecidas… E o julgamento-problema, podendo sobrevir com a simples pergunta: — ”Você chegou a existir?

Sim? Mas, então, está irremediavelmente destruída a concepção de vivermos em agradável acaso, sem razão nenhuma, num vale de bobagens? Disse. Se me permite, espero, agora, sua opinião, mesma, do senhor, sobre tanto assunto. Solicito os reparos que se digne dar-me, a mim, servo do senhor, recente amigo, mas companheiro no amor da ciência, de seus transviados acertos e de seus esbarros titubeados. Sim?

ROSA, Guimarães, Primeiras Estórias, página 119 até 128.

ALERTA GATILHO: contém pergunta com choque existencial

ALERTA GATILHO: contém pergunta com choque existencial

O Eterno Retorno, Nietzsche

E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem — e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente — e você com ela, partícula de poeira!

Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!” Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?” pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela?

Nietzsche, Friedrich Wilhelm. 

A gaia ciência. 

São Paulo, Campanhia das letras, 2012, p. 205.

Mágica para o final do ano: abolir o “se”

Mágica para o final do ano: abolir o “se”

Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido.

“Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada)”

“topado aquele emprego”

“completado aquele curso”

“chegado antes”

“chegado depois”

“dito sim”, “dito não”, “ido para Londrina”, “casado com a Doralice”,”feito aquele teste”


Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é Imaginário – sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:
– Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo
E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.
– Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?
– Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei a seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia..
– Eu sei, eu sei… disse alguém sentado ao lado dele.
Olhamos para o intrometido… Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:
– Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.
– Como é que você sabe?
– Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me tirei… Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante…

Ele chutaria para fora. Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou.

– Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio…
– E o que aconteceu? perguntamos os três em uníssono.
– Lembra aquele avião da VARIG que caiu na chegada em Paris?
– Você…
– Morri com 28 anos.
– Bem que tínhamos notado sua palidez.
– Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo…
– E ter levado o chute na cabeça…
– Foi melhor, continuou, ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado…
– Você deve estar brincando.
Disse alguém sentado a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.
– Quem é você?
– Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.
Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.
– Quem é você? – perguntei.
– Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.
– E..?

Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo.

Luis Fernando Veríssimo

1936 – Porto Alegre

Moda é lei: se você sair pelado na rua vai ser preso por atentado ao pudor

Moda é lei: se você sair pelado na rua vai ser preso por atentado ao pudor

Atentado violento ao pudorConstranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. * Pena com redação determinada pela Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.

Pode parecer que “estar coberto” teria mais em comum com o senso moral social do que com a Constituição Federal, mas não. A verdade é que se você resolver sair nu pelas ruas, será preso. Pois é, nosso vestuário (ou a ausência dele) falam por nós antes mesmo de abrirmos a boca.

E aí eu te pergunto: depois de tantos looks do dia, tantas influências desastrosas de blogueiras narcisistas, depois de uma Pandemia – alô Gabriel Garcia Marquez, seu livro poderia ser chamado “Amor em Tempos do Covid”, a cólera hoje em dia está mesmo nos cancelamentos da Internet…

Bom, voltemos à roupa: depois te tantas dinâmicas onde até o pijama virou protagonista em tempos de pandemia, eu te pergunto: o que você aprendeu com isso tudo em relação à moda?

Do lado de cá confesso que o conforto entrou pra ficar. Materiais que abraçam a pele no lugar de me apertar ou pinicar. Saltos altos se transformaram em charmosas rasteiras ou muito bem acolchoados tênis de esporte. O pé foi ao chão e, curiosamente, meu sonhos também saíram do mundo das idéias e aterrissaram em Terra firme. O Esporte me trouxe um noivo. Ou, talvez, vestir-se pra si mesmo é a maior prova de auto amor que você pode se conceder e, não tem outra: quando a gente começa a se amar o mundo ama a gente de volta. Não diz a Física que toda ação provoca uma reação?

Por isso eu digo: se ame que o mundo envia amor de volta. E um ótimo exercício é começar a escolher roupas que caiam bem na sua alma, não na opinião alheia.

Você usa a moda ou é usada por ela?

Você usa a moda ou é usada por ela?

Nada mais anti moderno do que ser objeto em sua própria vida no lugar de ser sujeito da própria existência.

Explico: quando damos importância a determinado objeto de moda, damos a ele signos e significados que residem apenas na nossa imaginação e no inconsciente coletivo.

Quando, por outro lado, consideramos tal objeto de moda como fruto de experiências, memórias e sentimentos pessoais (exemplo: gosto desse vestido porque certa noite dancei maravilhosamente livre com ele) ficamos nós no domínio do campo estético.

Voltando ao exemplo do vestido: se ele se torna bonito/bom unicamente porque é da marca X ou Y e não porque EU marquei sua existência com as minhas experiências de vida, eu te pergunto: o que você vai pedir pra escrever na lápide do seu túmulo? Vivi e não deixei minha MARCA EM NADA, fui apenas MARCADA por objetos reluzentes?

(aqui, vale ressaltar que qualidade em um objeto de moda – seja ele couro, algodão, seda etc se torna de extrema importância em nosso experimento. Parto do princípio de que você consome objetos com o mínimo de qualidade de manufatura, seja ela de ordem material ou moral.)

Voltando à lapide: acredito que a resposta é não. Ninguém quer passar por esse mundo sem deixar sua própria marca. Já dizia Hamlet, a verdadeira dúvida é ser ou não ser., não ter ou não ter, que é apenas um melodrama clichê.

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Exercício sobre autoconhecimento pra fazer com folha de papel

Exercício sobre autoconhecimento pra fazer com folha de papel

O tempo que a gente gasta com bobagem é uma piada. Pois então tire 10 minutinhos para gastar com você: auto conhecimento e auto reflexão são sempre bem vindos.

Vamos lá:

Uma dose de terapia de choque existencial!

Separe um papel e uma caneta ou lápis.

Desenhe em uma folha de papel uma linha da esquerda para a direita.

Na ponta esquerda considere o dia do seu nascimento.

Na ponta direita considere o dia de sua morte.

Agora, faça um x na linha para indicar em que ponto da sua vida você se encontra neste exato momento.

Eu espero.

Fez?

Agora, se de alguns minutos para refletir sua escolha.

olhe para a imagem abaixo:

As perguntas que você se fez eu não sei, mas tenho certeza que as respostas foram extremamente poderosas.

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