Muita gente já ouviu falar da obra Guerra e Paz, do famoso escritor russo Tolstói.
Guerra e paz retrata o preconceito e a hipocrisia da nobreza, e também suas tradições religiosas, ao lado da vida cotidiana dos soldados e dos servos. Ambientado na Rússia do início do século XIX, o romance lida com temas essenciais à vida contemporânea: a guerra e a paz, não somente quando o assunto são conquistas geográficas.
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“O que é Guerra e paz?”, questiona Liev Tolstói em um texto que detalha o processo de pesquisa e de criação de sua obra-prima. “Não é um romance, muito menos uma epopeia, menos ainda uma crônica histórica.” Ao acompanhar o percurso de cinco famílias aristocráticas russas no período de 1805 a 1820, Tolstói narra a marcha das tropas napoleônicas e seu impacto brutal sobre a vida de centenas de personagens.
Em meio a cenas de batalha, bailes da alta sociedade e intrigas veladas, destacam-se as figuras memoráveis dos irmãos Nikolai e Natacha Rostóv, do príncipe Andrei Bolkónski e de Pierre Bezúkhov, filho ilegítimo de um conde, cuja busca espiritual serve como espécie de fio condutor e o torna uma das mais complexas personalidades da literatura do século XIX.
Ao descrever o cotidiano e os grandes acontecimentos que se sucederam à invasão de Napoleão em 1812, Tolstói retrata uma Rússia magistral, imponente e, sobretudo, profundamente humana.
Separei a seguir 14 frases marcantes da obra, para vocês darem uma “lambida” no romance e quem sabe despertar o interesse de ler a obra por completo.
antes de mais nada, 10 coisas que precisa de saber sobre Guerra e Paz:
1. Porque é que é TÃO longo
O tamanho de Guerra e Paz explica-se em parte devido ao tempo que Tolstoi passou a planeá-lo, a escrevê-lo, e a revê-lo e poli-lo depois. Os primeiros rascunhos e planos encontrados nos manuscritos de Tolstoi datam de 1856. A primeira parte do romance foi divulgada em folhetim no jornal The Russian Herald em 1865, e a primeira edição do romance completo foi publicada em 1868. Durante este período, Sofia, a mulher de Tolstoi, foi uma valiosa ajuda. Era a única pessoa que conseguia decifrar a caligrafia de Tolstoi ou lidar com a sua prática de escrever verticalmente nas margens das folhas, e chegou a copiar e datilografar sete versões do romance. Houve amigos comuns que declararam que ela se queixava de já o ter copiado 21 vezes! Sofia preservou todos os rascunhos de manuscritos de Tolstoi, tanto que após a morte do autor, o material relativo a Guerra e Paz ocupava 12 caixas de madeira.
2. Stálin usou Guerra e Paz como material de propaganda durante a Segunda Guerra Mundial
A vitória da Rússia sobre Napoleão em 1812 alimentou tanto o espírito nacional russo, que quando Hitler atacou a União Soviética em 1941, Stálin recorreu prontamente às obras de Tolstoi como forma de promover a defesa patriótica da terra-mãe. Reimpressões das passagens relativas a 1812 de Guerra e Paz foram produzidas em massa, e algumas secções foram colocadas em cartazes e posters em Moscou para consumo imediato da população. Isto levou ao fato de, durante a Grande Guerra Patriótica, como os russos denominam a Segunda Guerra Mundial, Tolstoi ter sido o autor mais publicado, impresso e lido no país, ultrapassando largamente Lenin.
3. Porque se pensou ser Guerra e Mundo e não Guerra e Paz
No russo moderno, as palavras para «paz» e «mundo» são idênticas, um fato que levou ao mito urbano de que Tolstoi tencionava chamar ao romance Guerra e Mundo. O alfabeto cirílico foi modernizado depois da Revolução de 1917; antes disto, as palavras «paz» e «mundo», apesar de pronunciadas da mesma forma, eram escritas de forma diferente. A primeira vez que Tolstoi escreveu o título nas suas primeiras versões, fê-lo acidentalmente com a palavra «mundo» em vez de «paz». No entanto, não há nada que sugira que tivesse sido algo mais do que o mero deslizar acidental da caneta.
4. Não era todo escrito em russo
Na Rússia Imperial, o francês tinha-se tornado a língua preferida da aristocracia, que tinha adotado costumes europeus depois das reformas introduzidas por Pedro, o Grande, e Catarina, a Grande. Depois da Revolução Francesa, porém, a língua e a cultura francesas começaram a tornar-se menos «na moda» na Rússia. Em Guerra e Paz, Tolstoi tende a mostrar personagens a falar francês quando pretende indicar a sua falta de contato com os autênticos valores da Rússia. Muitos leitores na altura desgostaram dos diálogos em francês, e estes foram traduzidos para russo na terceira edição do romance em 1873. No entanto, na quinta edição de 1886, editada por Sofia, as passagens em francês foram mantidas.
5. Natacha foi inspirada na cunhada de Tolstoi
Tatyana Behrs, a irmã mais nova de Sofia, mulher de Tolstoi, era uma visita frequente à casa dos Tolstoi em Yasnaya Polyana. Sofia teve alguma dificuldade em adaptar-se à vida isolada e algo austera do campo, e a presença de Tatyana trazia uma injeção de alegria, vivacidade e risos femininos, que era muito bem-vinda. Tolstoi tinha uma grande afeição pela pequena Tatyana. A sua vivacidade e espontaneidade ofereceram a inspiração à personagem Natacha Rostov. Muitos episódios do romance, como a jovem Natacha pedir a Boris que lhe beije a boneca, ou o desespero depois de ela ser abandonada por Anatole, foram retirados de incidentes que de fato aconteceram na vida de Tatyana.
6. Guerra e Paz é contra a pena de morte
Em 1857, Tolstoi testemunhou um guilhotinamento em Paris. O acontecimento marcou-o profundamente e convenceu-o do erro moral que é a pena de morte. Esta sua visão fortaleceu-se quando, anos mais tarde, lhe foi pedido (enquanto proprietário com responsabilidade governativa local) que defendesse um soldado ante uma pena de morte num tribunal de guerra, e ele perdeu o caso. Tolstoi expressa os seus sentimentos através da personagem de Pierre Bezukhov, que nota com horror a ansiedade dos soldados franceses chamados à execução de prisioneiros de guerra russos.
7. Pierre Bezukhov significa «Pierre, O Sem Orelhas»
Muitos dos apelidos das personagens fictícias são nomes de proeminentes famílias russas da aristocracia com uma ou outra letra mudada, como Bolkonski, de Volkonsky, o nome de família da mãe de Tolstoi. Tolstoi não tencionava com isto sugerir similaridades entre as personagens fictícias e as reais, em vez disso pretendia criar um mundo que fosse familiar e autêntico para os leitores russos. Bezukhov, por outro lado, é um dos poucos apelidos inventados no romance. «Sem Orelhas» pareceu ser para Tolstoi, na altura, uma designação adequada para uma personagem confusa e que não tivesse ainda encontrado o seu lugar na sociedade aristocrata russa.
8. Tolstoi ridiculariza as fontes históricas
Tolstoi investigava o contexto histórico de Guerra e Paz com exaustão, lendo tanto os documentos históricos russos como de outros países da Europa sobre as campanhas de Napoleão. Também visitou o sítio onde decorreu a batalha de Borodino (a 115km a oeste de Moscovo). O seu objetivo nem era tanto assegurar a exatidão do local em si, mas demonstrar os erros dos dados históricos. Isto evidencia-se num episódio da segunda metade do romance quando Lavrushka, o servo de Nikolai Rostov, é temporariamente capturado pelos franceses e interrogado defronte de Napoleão. Tolstoi cita uma versão do historiador francês Thiers, e ironicamente oferece a sua própria versão cómica. A sua mensagem consiste no fato de a sua versão ser tão plausível e credível como a do historiador.
9. Não é só um romance…
A preocupação de Tolstoi com os problemas dos dados históricos levaram-no a divagar do enredo das personagens fictícias para capítulos em que debate o signifi cado da História como disciplina e como modela a nossa compreensão da civilização humana. A segunda parte do epílogo do romance é inteiramente devotada a esse tipo de divagação filosófica. Desde a primeira publicação até hoje, a opinião divide-se em relação ao interesse e relevância dos ensaios históricos. O romancista francês Flaubert queixava-se ao escritor russo Turgenev, «Ele repete-se! Ele põe-se com filosofias!» Assim como as passagens em francês, a receção múltipla aos ensaios históricos de Tolstoi levaram-nos a ser apagados ou mudados para um apêndice na terceira edição. No entanto, foram restaurados na quinta edição pela mulher de Tolstoi, Sofia.
10. Nem sequer é um romance…
O próprio Tolstoi acreditava que a inclusão dos seus ensaios tornava difícil uma categorização deste trabalho como um romance. Para acompanhar a publicação do texto completo do livro em 1868, ele escreveu uma nota explicativa intitulada «Algumas palavras sobre Guerra e Paz» na qual ele diz em tom jocoso «O que é Guerra e Paz? Não é um romance, muito menos um poema, e ainda menos uma crónica histórica. Guerra e Paz é aquilo que o autor desejou que fosse e conseguiu expressar na forma em que é expressa.» Nesse mesmo ensaio ele respondia ou apaziguava os leitores que se lhe dirigiam com questões e reclamações sobre as passagens em francês, as divagações nos fatos históricos e a relação entre pessoas reais e personagens fictícias com nomes semelhantes.
Agora, vamos as frases:
- “O amor? Que é o amor?”, pensava ele. “O amor é o inimigo da morte. O amor é a vida. Tudo, absolutamente tudo que me é dado compreender, graças ao amor eu o compreendo. Tudo que é, tudo que existe, pelo amor existe. O amor é Deus; morrer é regressar, eu, parcela desse amor, à fonte geral e eterna”.”
2. “A razão humana não pode compreender a correlação das causas e dos acontecimentos, mas a necessidade de em tudo achar uma causa é inerente ao espírito humano. Eis porque a inteligência, incapaz de penetrar as razões infinitas e infinitamente complicadas dos acontecimentos, as quais, cada uma de por si, podem fazer figura de causa, lança mão da primeira que lhe aparece, seja a mais acessível das coincidências, e proclama: Esta é a causa! Nos fatos históricos que têm por objeto de estudo as ações humanas, a mais vulgar coincidência costuma ser a vontade dos deuses, e depois a dos homens colocados em situação de destaque, os chamados “heróis da história”. Basta, no entanto, aprofundar um pouco qualquer fato histórico, isto é, ver agir as massas de homens que tomaram parte nele, para nos persuadirmos de que não é a vontade deste ou daquele herói que conduz as massas, mas, muito pelo contrário, é essa mesma massa que a todo o momento é conduzida. Dir-se-á ser indiferente que os acontecimentos se expliquem desta ou daquela maneira.”
3. “É bem verdade o que se costuma dizer: sem ter com quê, nem a pulga um homem pode matar.”
4. “– Os velhos têm razão. Mão suada é dadivosa, mão enxuta é avara.”
5. “André pensava e dizia que a felicidade apenas tinha caráter negativo, e isto não sem que o dissesse e pensasse com um misto de amargura e ironia. Pensando assim, parecia querer dizer que todas as aspirações do homem à felicidade positiva lhe não tinham sido dadas senão para o atormentar, insatisfeitas que sempre eram. Sem qualquer pensamento reservado, Pedro adotara esta maneira de pensar. A ausência da dor, a satisfação de todas as necessidades, e, como consequência, a liberdade da escolha das suas próprias ocupações, isto é, do gênero de vida que mais lhe quadrava, afiguravam-se-lhe, a Pedro, incontestavelmente, o ideal da felicidade humana. Mas agora compreendera pela primeira vez o prazer de comer quando se tem fome, de beber quando se tem sede, de dormir quando se tem sono, de se aquecer quando se tem frio, de falar quando apetece ouvir uma voz humana. A satisfação das necessidades, uma boa alimentação, o asseio, a liberdade, agora, que estava privado de tudo isso, apareciam-lhe como o suprassumo da felicidade, e a liberdade da escolha das suas ocupações, isto é, a própria vida, agora, que tão limitada lhe estava essa escolha, parecia-lhe coisa tão fácil que esquecia que o próprio excesso das comodidades da existência destrói toda a felicidade que resulta da satisfação das necessidades e que uma perfeita liberdade de ação, essa liberdade que lhe proporcionara a instrução, a fortuna, a posição na sociedade, torna a escolha das ocupações excessivamente difícil e por isso mesmo destrói a necessidade e o desejo de ação.”
6. “Kutuzov sabia que quando se deseja muito qualquer coisa, pode uma pessoa acabar por preparar as notícias de sorte a que elas confirmem o que se deseja, tendo o cuidado de guardar silêncio sobre tudo que contradiga o que se pretende.”
7. “A grandeza parece excluir a possibilidade de apreciar o bem e o mal. O mal não existe para o que é grande. Quem é grande nunca poderá ser acusado de uma atrocidade.
8. “É grande!”, dizem os historiadores, e então deixa de existir o bem e o mal, para só haver o que é grande e o que não é grande. O que é grande é o bem, o que não é grande é, o mal. O grande é, segundo eles, privilégio de indivíduos especiais que recebem a classificação de heróis. Napoleão, muito bem embrulhado numa peliça, volta para casa, deixando morrer não só companheiros, mas pessoas que, assim ele o confessou, arrastara atrás de si. Para si mesmo diz: sou o grande, e a alma tranquiliza-se-lhe.
9. “Do sublime ao ridículo vai apenas um passo”, dizia Napoleão, e o sublime era ele próprio. E de há cinquenta anos para cá o universo inteiro repete: “Sublime! Grande! Napoleão, o Grande! Do sublime ao ridículo vai apenas um passo!”
10. E a ninguém ocorre que confessar que a grandeza está para além do bem e do mal é como reconhecer ao mesmo tempo a sua inferioridade e a sua infinita pequenez. Para nós, que recebemos de Cristo a medida do bem e do mal, nada existe fora dessa medida. Não há autêntica grandeza sem espontaneidade, bondade e verdade.”
11. “Pedro, como sempre costuma acontecer, só sentiu o peso das privações a que estivera sujeito durante o cativeiro no dia em que as desventuras acabaram. Assim que foi posto em liberdade, dirigiu-se a Orel e no dia seguinte, na altura de se meter a caminho para Kiev, adoeceu. Três meses ficou de cama em Orel. Segundo os médicos, sofria de uma febre biliosa. Apesar de todos os cuidados que lhe dispensaram, não obstante as sangrias e os remédios, conseguiu recuperar a saúde.”
12. “Pretender-se que a vida dos homens seja sempre dirigida pela razão é destruir toda a possibilidade de vida.”
13. “Os criados são os juízes mais fiéis dos seus amos, pois os julgam não por conversas ou manifestações exteriores, mas pelos seus atos e conduta.”
14. “Do ponto de vista da experiência, o Poder não é mais que uma dependência entre a expressão da vontade de uma personagem e o cumprimento dessa vontade por outros homens.”
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