Fizeram a gente acreditar que amor, amor pra valer mesmo, só acontece uma vez na vida, geralmente antes dos 30 anos. Não nos contaram que o amor não é acionado nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada “dois em um”, duas pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era o que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos.
Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes e que podemos tentar outras alternativas. Ah, nem contaram que ninguém vai te contar: cada um vai ter que descobrir sozinho qual é o amor que lhe faz bem. Essa busca é só sua e envolve, antes de amar ao próximo, amar a si mesmo.
E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz se apaixonando por alguém.
Diário de uma Paixão/ Getty Images
Martha Medeiros é um dos nomes conhecidos na literatura contemporânea brasileira. A escritora produz romances, poemas e crônicas e já teve obras adaptadas para peças de teatro e audiovisual.
Um dos temas que a autora aborda é amor e os relacionamentos. Na crônica Fizeram a gente acreditar ela traz uma análise certeira e contundente sobre a idealização no amor romântico.
Martha apresenta seus pensamentos sobre o tema de maneira honesta, mostrando que a vida pode ter diversos caminhos, não existindo uma fórmula para vivenciar o amor, a não ser a fórmula da individualidade compartilhada. O que fica claro em suas palavras é a necessidade de auto-amor antes de mais nada.
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