Racismo, Vini Junior e o caso negro na literatura brasileira

por | 23/05/2023 | 2023, cultura, feminismo, filosofia, racismo

Racismo contra Vini Jr explodiu junto com protagonismo do jogador pelo Real Madrid

Vinicius Jr se tornou um dos protagonistas do Real Madrid desde a chegada de Carlo Ancelotti, mas passou a conviver com ataques racistas.

O que aconteceu?

  • Vini Jr sofreu ataques racistas nove vezes em um intervalo de 2 anos e 7 meses. O último foi na derrota merengue para o Valencia, pelo Campeonato Espanhol.
  • O período coincide com o crescimento do brasileiro pelo Real Madrid. O camisa 20 ganhou espaço com Carlo Ancelotti —anunciado pelo Real em junho de 2021— e se tornou um dos principais alvos.
  • Ataques recorrentes podem culminar em saída do time merengue. Segundo apurou o UOL, Vinicius Jr quer se pronunciar para dar um basta na situação vivida na Espanha e ameaçar sua permanência no Real Madrid..
  • Dupla com Benzema e Bola de Ouro Parceria com o francês chamou atenção na temporada passada. A dupla conduziu o time merengue rumo ao título da última Liga dos Campeões. Vini Jr, inclusive, fez o gol do título em final contra o Liverpool.
  • Cotado para a Bola de Ouro. O desempenho nesta temporada colocou o brasileiro entre os contados ao prêmio de melhor do mundo. A eliminação na semifinal da Liga dos Campeões, porém, deve diminuir as chances do camisa 20.
  • Vini comanda ataque merengue. São 23 gols e 21 assistências nesta temporada. Ele disputou 54 partidas.
  • Os casos de racismo contra Vini Jr
  • 24 de outubro de 2021: Vini foi insultado por torcedores do Barcelona após sair de campo. A polícia não conseguiu identificar os suspeitos e o caso foi arquivado.
  • 14 de março de 2022: Torcedores do Mallorca insultaram o brasileiro, com imagens de câmeras de TV mostrando pessoas dizendo para Vinícius Jr. “pegar bananas”. O Ministério Público arquivou a denúncia apresentada por La Liga.
  • 30 de dezembro de 2022: Torcedores do Valladolid, time que pertence a Ronaldo, ofenderam Vinícius Jr. Os infratores identificados foram multados em 4 mil euros (R$ 21,4 mil na cotação atual) e impedidos de frequentar estádios por um ano, punição aplicada pela Comissão Estatal contra a Violência, o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância no Esporte da Espanha.
  • 26 de janeiro de 2023: Torcedores do Atlético de Madrid penduraram um boneco de Vinícius Jr. em uma ponte na capital espanhola, no dia do duelo contra o Real Madrid pela Copa do Rei. Apesar de La Liga e Federação Espanhola publicarem notas pedindo “sanções severas”, nenhuma punição foi dada.
  • 5 de fevereiro de 2023: Um torcedor do Mallorca chamou Vinícius Jr. de “macaco”. O criminoso foi identificado, multado em 4 mil euros (R$ 21,4 mil) e impedido de frequentar estádios por um ano.
  • 18 de fevereiro de 2023: Torcedores do Osasuna xingaram Vinícius Jr. O episódio não foi denunciado, mas o goleiro Courtois relatou ter ouvido ofensas direcionadas ao brasileiro, incluindo cantos de “morra Vinícius”.
  • 5 de março de 2023: Torcedores do Betis chamaram Vini de “macaco”. Uma denúncia foi apresentada no tribunal investigativo de Sevilha após imagens de câmeras de TV auxiliarem na identificação dos autores dos insultos. A denúncia apresentada por La Liga ao Ministério Público foi arquivada.
  • 19 de março de 2023: Vinícius Jr. foi alvo de gritos de “macaco” e “morra” vindos de torcedores do Barcelona. A denúncia apresentada por La Liga ao Ministério Público foi arquivada.
  • 21 de maio de 2023: Torcedores do Valencia gritaram “macaco” quando Vinicius Jr estava perto da lateral. O árbitro paralisou a partida, Vini Jr discutiu com os torcedores e acabou expulso.

Em novo comunicado, o Real Madridcondenou a postura da Real Federação de Futebol da Espanha (RFEF), a quem chamou de passiva no combate ao racismo no futebol do país. O clube também atacou o comportamento dos árbitros na derrota contra o Valencia, especialmente na decisão de expulsar Vinicius Junior na partida. Na nota, o time também agradece o apoio do presidente Lula e outras personalidades.

–Estamos surpresos com as declarações do presidente da Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, porque sendo o chefe do futebol espanhol e do estabelecimento de arbitragem, ele permitiu que não fossem tomadas medidas contundentes, de acordo com os protocolos da Fifa, para evitar a situação que foi alcançada – diz a nota.

“A representação do negro na literatura brasileira reforça diversos estereótipos nas obras, o que traz um desserviço a essa parcela da sociedade, que já, por muito tempo, é tratada com descaso e desprezo. A presença de personagens negros na literatura, quando há, dá-se, na maioria das vezes, em papéis secundários de coadjuvantes ou de vilões. Representantes negros no protagonismo não são muito encontrados e, quando são, estão quase sempre presos a ambientes predeterminados.”

“A representação do negro na literatura brasileira

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2015, pretos e pardos totalizam 54% da população brasileira. Em meio a esse cenário de diversidade, predomina, no senso comum, a muito difundida teoria da democracia racial, que enquadra o Brasil como um país dito não racista.


“A imagem do nosso futebol está seriamente danificada e deteriorada aos olhos de todo o mundo. Sua passividade tem contribuído para a impotência e indefesa do nosso jogador Vinicius”, escreveu o Real Madrid.

Na nota, o Real Madrid diz que a condução da partida pela equipe de arbitragem foi feita de forma irresponsável e condenou a vítima na situação, o atacante Vinicius Junior. O clube diz que as imagens disponibilizadas no monitor do VAR para revisão do lance que originou a expulsão do brasileiro foram “tendenciosas”.

  • Os árbitros, longe de agir com firmeza e aplicar os protocolos regulamentares, optaram na maioria dos casos por se inibir e evitar tomar as decisões que lhes correspondiam. Ainda ontem (domingo), o árbitro e os responsáveis pelo VAR fugiram de suas responsabilidades e tomaram decisões injustas com base em imagens incompletas, não vistas na íntegra, tendenciosas e que levaram à expulsão direta do nosso jogador Vinicius Júnior – diz a nota. 

“Infelizmente, o que aconteceu ontem (domingo) e a gestão que foi feita pelos árbitros e pelo VAR, não percebemos como algo isolado, mas sim como algo que se repetiu em muitas de nossas partidas. A vítima que a sofre nunca poderá ser responsabilizada pelo crime”, conclui o Real Madrid.


Em entrevista coletiva nesta segunda-feira, o presidente da Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, condenou a postura de Javier Tebas, mandatário máximo de LaLiga, entidade que organiza o Campeonato Espanhol. O dirigente reiterou que a federação e os árbitros apoiam as vítimas de discriminação no futebol do país. 

No novo comunicado, o Real Madrid agradece o apoio do governo brasileiro e as inúmeras mensagens de apoio a Vinicius Junior nas últimas horas. 
Mais cedo, o clube se manifestou pela primeira vez desde que a partida do último domingo e pediu ação da Procuradoria-Geral do Estado da Espanha por crime de ódio e discriminação no episódio. Vinicius Junior se reuniu com o presidente da equipe espanhola, Florentino Pérez, nesta segunda
.

Veja o comunicado do Real Madrid

O Real Madrid C.F. agradece pelas inúmeras manifestações de carinho, solidariedade e carinho recebidas de todas as partes do mundo o nosso jogador Vinicius Junior.

Os ataques odiosos e racistas devem ser erradicados de nossa sociedade para sempre e assim se pronunciaram personalidades de todas as esferas da vida e de diferentes instituições nacionais e internacionais após o que aconteceu ontem no estádio Mestalla.

Nosso clube agradece à maior autoridade do futebol mundial, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, que disse que as partidas em que esses crimes de ódio são cometidos devem ser interrompidas e suspensas. 

Também o nosso agradecimento ao Presidente do Brasil, Lula da Silva, que apela a que sejam tomadas medidas sérias para combater este problema e cuja vítima é, como disse, “um jovem que venceu na vida e que está se tornando um dos melhores futebolistas do mundo”.

Da mesma forma, seus companheiros demonstraram solidariedade e apoio a Vinícius, tanto os do Real Madrid quanto os de outras seleções do mundo. Lendas, jogadores e treinadores, alguns deles tão significativos no panorama internacional como Ronaldo Nazario, Mbappé, Rio Ferdinand, Neymar, Kaká, Jadon Sancho, Lineker, Roberto Carlos ou Casemiro, entre dezenas e dezenas de figuras do futebol mundial.

Os infelizes acontecimentos ocorridos correram o mundo e envergonham o nosso futebol, ao serem refletidos e denunciados nos principais meios de comunicação internacionais. Do Washington Post ou do L’Équipe, para citar apenas alguns exemplos emblemáticos, sublinham fortemente o grave problema do futebol espanhol. 

E, finalmente, estamos surpresos com as declarações do presidente da Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, porque sendo o chefe do futebol espanhol e do estabelecimento de arbitragem, ele permitiu que não fossem tomadas medidas contundentes, de acordo com os protocolos da FIFA , para evitar a situação que foi alcançada. A imagem do nosso futebol está seriamente danificada e deteriorada aos olhos de todo o mundo. 

Sua passividade tem contribuído para a impotência e indefesa do nosso jogador Vinicius. Os árbitros, longe de agir com firmeza e aplicar os protocolos regulamentares, optaram na maioria dos casos por se inibir e evitar tomar as decisões que lhes correspondiam. Ainda ontem, o árbitro e os responsáveis ​​pelo VAR fugiram de suas responsabilidades e tomaram decisões injustas com base em imagens incompletas, não vistas na íntegra, tendenciosas e que levaram à expulsão direta do nosso jogador Vinicius Junior.

Infelizmente, o que aconteceu ontem e a gestão que foi feita pelos árbitros e pelo VAR, não percebemos como algo isolado, mas sim como algo que se repetiu em muitas de nossas partidas. A vítima que a sofre nunca poderá ser responsabilizada pelo crime.

Por todas estas razões, estamos muito preocupados que nenhuma ação tenha sido tomada pela Federação Espanhola de Futebol durante todo este tempo, apesar dos óbvios e repetidos sinais de alarme que o nosso clube tem vindo a denunciar. 

O Real Madrid espera que, dada a gravidade da situação atual e a imagem que o futebol espanhol está oferecendo ao mundo, ações contundentes e imediatas sejam tomadas por todos aqueles que têm responsabilidades e poderes para combater esses flagelos que são o racismo, a xenofobia e ódio. O nosso clube continuará a trabalhar para que os valores que sustentaram a nossa história continuem a ser um modelo de convivência e exemplaridade.

O racismo em Valencia x Real Madrid

No domingo, Vini acusou parte da torcida do Valencia de chamá-lo de “macaco” no segundo tempo. O jogo chegou a ficar paralisado por cerca de oito minutos. Na reta final da partida, o brasileiro foi expulso após confusão com jogadores das duas equipes. 

Ele discutiu com o goleiro Mamardashvili, levou um mata-leão do atacante Hugo Duro e reagiu erguendo o braço no rosto do jogador do Valencia. Inicialmente, Vinicius levou cartão amarelo. Após revisão no VAR, o árbitro De Burgos Bengoetxea expulsou o atacante do Real Madrid.

Após a partida, o brasileiro usou as redes sociais para dois posicionamentos diferentes. Em um deles, o atacante disse que sua expulsão foi um “prêmio por sofrer racismo”. O atacante ironizou a postura da liga ao compartilhar o slogan da entidade que rege o Campeonato Espanhol. 

LaLiga tinha registrado até o fim de março oito reclamações na Justiça por racismo contra Vinicius Junior nesta temporada. A liga espanhola criou em fevereiro uma comissão específica para lidar com casos relacionados ao brasileiro.

Em nota divulgada após a partida deste domingo, LaLiga declarou que vai investigar os “incidentes” ocorridos no estádio Mestalla. A liga também informou que já solicitou todas as imagens disponíveis para investigar o caso e, caso necessário, vai tomar “todas as medidas cabíveis”. 

O Valencia, por sua vez, emitiu comunicado condenando “qualquer tipo de insulto, ataque no futebol”. O clube se declarou contrário à violência física e verbal nos estádios e lamentou o ocorrido no jogo contra o Real Madrid. Porém, classificou o caso como “episódio isolado” e prometeu tomar “as medidas mais severas” após investigação. Além disso, condenou qualquer ofensa e pediu “respeito máximo” à sua torcida.

Muitas vezes ausente, representado em personagens coadjuvantes ou em estereótipos, o povo negro ocupa até hoje lugar secundário na produção literária brasileira.

Entretanto, os números da Pnad Contínua de 2017 apontam outra realidade: enquanto a média salarial dos negros é de R$1570, a dos pardos é de R$1606 e a da população branca chega a R$2814. As disparidades não param por aí: no grupo do 1% mais rico da população brasileira, a porcentagem de negros e pardos era de apenas 17,8%.”

“Esse contexto evidencia um abismo social na sociedade brasileira. A abolição do trabalho escravo, há pouco mais de um século, não garantiu, como demonstram esses números, a inserção da população preta e parda como cidadã no território brasileiro, pelo menos não em paridade com a população branca”

“Entre os diversos fatores que contribuem para essa desigualdade racial, embasada na lógica da colonização, que sequestrou milhões de africanos para condená-los à escravidão em terras brasileiras, a literatura aparece como grande veiculadora de preconceitos, seja naturalizando estereótipos negativos vinculados ao negro, seja pela ausência de personagens negros como um todo. É o caso, por exemplo, do projeto nacionalista do romantismo indianista, que entende a genealogia brasileira como fruto do encontro racial entre europeus e indígenas, subtraindo a presença negra da população nacional.

“O cenário da literatura contemporânea não é diferente. De acordo com pesquisa do Grupo de Estudos de Literatura Contemporânea da Universidade de Brasília, entre os anos de 1965 e 2014, 70% das obras publicadas por grandes editoras brasileiras foram escritas por homens, dos quais 90% são brancos e pelo menos a metade deles é de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Os próprios personagens retratados aproximam-se da realidade desses autores: 60% das obras são protagonizadas por homens, sendo 80% deles brancos e 90% heterossexuais.”

“Ainda de acordo com a mesma pesquisa, entre 2004 e 2014, apenas 2,5% dos autores publicados não eram brancos, e apenas 6,9% dos personagens retratados eram negros. Em apenas 4,5% das histórias eles aparecem como protagonistas. Entre 1990 e 2014, as cinco principais ocupações dos personagens negros nas obras analisadas eram: bandido, empregado doméstico, escravo, profissional do sexo e dona de casa.

“Na Literatura Brasileira o personagem negro ocupa lugar menor, muitas vezes inexpressivo e quase sempre coadjuvante, ou vilão no caso masculino, mantendo nos personagens a inferioridade dada a eles como reflexo da era escravista.”|1|”

Vini Jr desabafa após mais um caso de racismo em La Liga: ‘Campeonato é de racistas’

O que devia ser uma profissão para uns e diversão para quem assiste, tornou-se cenário de tristeza. Vinícius Júnior sofreu mais um ato de racismo na Espanha, na tarde deste domingo (21), contra o Valencia. Por um longo tempo, o jogador foi chamado de macaco pelos torcedores no Estádio Mestella e até pediu para sair de campo.

Após a partida, o jogador foi para o vestiário e não atendeu aos jornalistas. Nas redes sociais, Vinícius desabafou sobre o episódio deixando um recado aos espanhóis, afirmando como a Espanha é vista no Brasil e o que se tornou o Campeonato Espanhol.

Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui.

Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas. Uma nação…— Vini Jr. (@vinijr).

Atrás do placar, o Real Madrid buscava empate, até que no segundo tempo, aos 27 minutos, o brasileiro sofreu racismo e, irritado, discutiu com os torcedores. Ao identificar, o camisa 20 denunciou ao árbitro Ricardo De Burgos Bengoetxea, que nada fez. A partida ficou paralisada por um longo tempo, então os torcedores, em coro, em alto e bom som, passaram a proclamar insultos como ‘macaco’ ao torcedor.

A revolta por parte de jogadores e comissão técnica foi grande. O locutor do estádio pediu para que torcedores parassem de insultar o racismo para que a partida pudesse ser reiniciada.

Nos minutos finais, mais um problema. Enquanto a transmissão passava replay da finalização de Toni Kroos, o goleiro adversário Mamardashvili partiu para cima do jogador, iniciando confusão generalizada. Vinicius sofreu espécie de ‘mata-leão’ de Hugo Duro, foi empurrado e, ao reagir, foi expulso após análise do VAR. Nada aconteceu com os jogadores do Valencia.

Depois do término da partida, Ancelotti revelou que o jogador pediu para sair de campo, mas o treinador não quis deixar, alegando que o brasileiro não era o culpado, mas a vítima.

Em nota oficial, La Liga se pronunciou sobre o caso deste domingo e afirmou que pediu as imagens disponíveis para investigar o ocorrido.
Diante dos incidentes ocorridos durante Valencia x Real Madrid, no Estádio de Mestalla, LaLiga informa que já solicitou todas as imagens disponíveis para investigar o ocorrido. Uma vez concluída a investigação, em caso de detectar algum crime de ódio, LaLiga tomará as medidas cabíveis. LaLiga também investigará as imagens em que insultos racistas foram supostamente dirigidos a Vinicius Jr. fora do Estádio Mestalla. La Liga tem sido proativa diante de todos os incidentes racistas contra Vinicius Jr, jogador do Real Madrid CF. Assim, apresentou uma queixa nove vezes nas últimas 2 temporadas perante o Comitê de Competições da RFEF, Comissão Estadual contra a Violência, Racismo, Xenofobia e Intolerância no Esporte.’

Em outra rede social, o jogador postou uma frase citando a própria expulsão e ironizou o slogan da La Liga, entidade organizadora do Campeonato Espanhol.

Personagens negros na literatura brasileira canônica: os estereótipos

O negro aparece na literatura brasileira muito mais como tema do que como voz autoral. Assim, a maioria das produções literárias brasileiras retrata personagens negras a partir de pontos de vista que evidenciam estereótipos da estética branca dominante, eurocêntrica. Trata-se de uma produção literária escrita majoritariamente por autores brancos, em que o negro é objeto de uma literatura reafirmadora de estigmas raciais.

A pesquisadora Mirian Mendes nos lembra que os estereótipos são “a base ideológica da dominação do negro pelo branco”. O professor e pesquisador Domício Proença Filho aponta como principais estereótipos:”

  • O escravo nobre
    Aqui o negro seria aquele que é fiel, submisso, que supera todas as humilhações e vence a crueldade dos senhores pelo branqueamento. É o caso da personagem protagonista de Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, publicado em 1872 e adaptado como novela de televisão pela Rede Globo em 1976 e pela Rede Record em 2004. Isaura é filha de mãe negra e pai português, e tem a pele clara. Veja um trecho do romance, em que Isaura conversa com sinhá Malvina:

“– Não gosto que a cantes, não, Isaura. Hão de pensar que és maltratada, que és uma escrava infeliz, vítima de senhores bárbaros e cruéis. Entretanto passas aqui uma vida, que faria inveja a muita gente livre. Gozas da estima de teus senhores. Deram-te uma educação, como não tiveram muitas ricas e ilustres damas, que eu conheço. És formosa e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em tuas veias uma só gota de sangue africano.

[…]

– Mas senhora, apesar de tudo isso que sou eu mais do que uma simples escrava? Essa educação, que me deram, e essa beleza, que tanto me gabam, de que me servem?… São trastes de luxo colocados na senzala do africano. A senzala nem por isso deixa de ser o que é: uma senzala.

– Queixas-te de tua sorte, Isaura?

– Eu não, senhora: apesar de todos esses dotes e vantagens, que me atribuem, sei conhecer o meu lugar.”

O diálogo transparece e reafirma os paradigmas vigentes: a branquitude como sinônimo de beleza, a herança africana como maldita, a benevolência dos senhores para com a escrava, a perpetuação desse estado de coisas que se encerra com a fala de Isaura “sei conhecer o meu lugar”.

  • O negro vítima
    Criado para exaltar o projeto abolicionista, aqui o negro é retratado também com a submissão servil, vítima de um sistema desumano. É o caso de diversos poemas de Castro Alves, tais como “A cruz da estrada”, em que a morte aparece como a única chance de libertação do negro escravizado, ou mesmo o célebre “O navio negreiro”, em que o poeta relembra os perversos anos do tráfico negreiro e menciona grandes nomes europeus, como Colombo e Andrada, mas não há sequer uma menção à resistência negra, aos quilombos, a Zumbi ou Luiza Mahin.

“Caminheiro! do escravo desgraçado

O sono agora mesmo começou!

Não lhe toques no leito de noivado,

Há pouco a liberdade o desposou.”

(versos finais de “A cruz da estrada”, Castro Alves)

A esse estereótipo associa-se também o do escravo fiel e passivo, presente em diversas obras, como em Mãe Maria, conto infantil de Olavo Bilac, publicado no livro Contos Pátrios (1904):

“Comprar e vender escravos era, naquele tempo, uma coisa natural. Ninguém perguntava a um negro comprado o seu passado, como ninguém procurava saber de onde vinha a carne com que se alimentava ou a fazenda com que se vestia. De onde vinha a velha Maria, quando, logo depois de meu nascimento, meu pai a comprou? Sei apenas que era africana; e tinha talvez um passado terrível: porque, quando a interrogavam a esse respeito, um grande terror lhe dilatava os olhos, e as suas negras mãos reluzentes e calejadas eram sacudidas de um tremor convulsivo. Conosco, a sua vida foi quase feliz.”

(Olavo Bilac, Mãe Maria)

Vê-se a naturalização da escravidão e do apagamento completo do passado da personagem, em que “africana” oculta suas origens e todos os termos prestam-se a uma indefinição de Maria. A ausência da família contribui para enquadrá-la sob o paternalismo branco, “quase feliz”.”

  • O negro infantilizado
    Caracterizado como subalterno e serviçal, é o estereótipo que o coloca como incapaz. Presente em obras como O demônio familiar (1857), de José de Alencar, e O cego (1849), de Joaquim Manuel de Macedo. Domício Proença Filho associa ainda esse estereótipo à animalização de Bertoleza, personagem de O Cortiço (1900), de Aluísio Azevedo:

“Bertoleza é que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja, sempre atrapalhada de serviço, sem domingo nem dia santo: essa, em nada, em nada absolutamente, participava das novas regalias do amigo: pelo contrário, à medida que ele galgava posição social, a desgraçada fazia-se mais e mais escrava e rasteira. João Romão subia e ela ficava cá embaixo, abandonada como uma cavalgadura de que já não precisamos para continuar a viagem.”

(O Cortiço, Aluísio Azevedo)

É o caso também de Tia Nastácia, personagem de Monteiro Lobato, confinada à cozinha onde trabalha a serviço de uma família branca, apresentada como “negra de estimação que carregou Lúcia em pequena” (Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho), cujas histórias são frequentemente desqualificadas pelas outras personagens:

“– Pois cá comigo –  disse Emília –  só aturo estas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e até bárbaras – coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, e não gosto!

[…]

– Bem se vê que é preta e beiçuda! Não tem a menor filosofia, esta diaba. Sina é o seu nariz, sabe? Todos os viventes têm o mesmo direito à vida, e para mim matar um carneirinho é crime ainda maior do que matar um homem. Facínora!”

(Monteiro Lobato, Histórias de Tia Nastácia)

Ilustração de Dona Benta, Narizinho e Tia Nastácia.

Além de tida como ignorante, as características de seu fenótipo negro, como a cor da pele e o tamanho da boca, são arranjadas para tornarem-se também ofensivos, sinônimos de feiura e inferioridade.”

  • O negro animalizado, hipersexualizado e pervertido
    Presente em O bom crioulo (1885), de Adolfo Caminha, é o personagem negro que encarna a homossexualidade, tida à época como perversão. É o caso também do romance A carne (1888), obra de Júlio Ribeiro, que associa as liberações dos instintos sexuais da protagonista (branca) Lenita a promiscuidades com os escravos. Aparece também na figura de Rita Baiana, de O Cortiço (1900), e em diversas obras de Bernardo Guimarães, como Rosaura: a enjeitada (1883):

“Adelaide era como o leitor já sabe, de uma beleza plástica e mais provocadora. O seio túrgido, sempre arfando em mórbida ondulação, parecia o ninho da ternura e dos prazeres; o olhar, a um tempo cheio de meiguice e de fogo, como que derramava fulgores divinos sobre toda a sua figura; as faces róseas os lábios purpurinos eram como esses pomos vedados, que no paraíso seduziram os progenitores da humanidade e ocasionaram sua primeira culpa; e o porte dotado de elegância natural, com suas voluptuosas ondulações e meneios graciosos pareciam estar cantando eternamente o hino de amor e de volúpia; as feições, não muito corretas, eram animadas por uma fisionomia de tão encantadora expressão, que impunha a adoração, sem dar tempo à observação.”

A erotização e objetificação da mulher negra é um dos estereótipos mais comuns não só da literatura brasileira, como da representação das mulheres pretas de forma geral – desde Gregório de Matos, poeta seiscentista, até a recém-extinta personagem da Globeleza, vinheta que ficou 26 anos no ar pela Rede Globo mostrando sempre uma mulher negra nua como ícone do Carnaval.

Comparemos, a seguir, dois trechos de poemas de Gregório de Matos: o primeiro, um dentre os muitos dedicados à D. Ângela de Sousa Paredes, donzela branca; o segundo, a Jelu, a “rainha das mulatas”:

“Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?

[…]

Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

[…]”

Comparada a um ser angelical, às flores, a um amuleto contra o mal, D. Ângela é o retrato da beleza e das virtudes. Com relação a Jelu, diz o mesmo poeta:

“Jelu, vós sois rainha das mulatas.
E, sobretudo, vós sois rainha das putas.
Tendes o mando sobre as dissolutas
Que moram nas quitandas dessas gatas.

[…]

Mas sendo vós Mulata tão airosa
Tão linda, tão galharda, e folgazona,
Tendes um mal, que sois mui cagarrosa.

Pois perante a mais ínclita persona
Desenrolando a tripa revoltosa,
O que branca ganhais, perdeis cagona.”

Longe da idealização espiritualizada do amor platônico inspirado pela branca D. Ângela, Jelu é facilmente transfigurada em “gata”, em figura animalesca, em mulher prostituída, ao contrário do retrato angelical da primeira. Além de erotizada, objetificada, tomada como impura, resta a Jelu ainda a comparação de sua beleza a um cenário sórdido, fétido.

São inúmeras as produções que perpetuam esse estereótipo erotizado da mulher negra. É o caso das mulatas de Jorge Amado, com especial destaque para Gabriela, protagonista de Gabriela, cravo e canela (1958), descrita com sensualidade e beleza que enlouquecem os homens e como uma mulher que se entrega à paixão, mas não à continuidade de um envolvimento afetivo ou amoroso:

“Atacou uma melodia do sertão, estava com um nó na garganta, aflito o coração. A moça começou a cantar em surdina. A noite ia alta, a fogueira morria em brasas, quando ela deitou-se junto dele como se nada fora. Noite tão escura, quase não se viam. Desde aquela noite milagrosa, Clemente vivia no terror de perdê-la. Pensara a princípio que, tendo acontecido, ela já não o largaria, iria correr sua sorte nas matas dessa terra do cacau. Mas logo se desiludiu. […] Era de natural risonha e brincalhona, trocava graças até com o negro Fagundes, distribuía sorrisos e obtinha de todos o que quisesse. Mas quando a noite chegava, após ter cuidado do tio, vinha para o canto distante, onde ele ia meter-se, e deitava-se a seu lado, como se para outra coisa não houvesse vivido o dia inteiro. Se entregava toda, abandonada nas mãos dele, morrendo em suspiros, gemendo e rindo.”

Luís Fernando França, em sua dissertação de mestrado, elenca, a partir das análises de Roger Bastide, mais de 20 estereótipos associados aos negros na produção literária brasileira. Entre eles, destacam-se também os do malandro, do bêbado ou afeito aos vícios, do feiticeiro ou “macumbeiro”, do maldoso etc. 

“Alguns exemplos: quem não se lembra dos versos de Manuel Bandeira, “Irene preta, Irene boa, Irene sempre de bom humor”? Ou da mulata assanhada, que nunca é mulher diurna, só noturna; nunca é espírito, só carne; nunca é família ou trabalho, só prazer? E bem conhecemos o complemento masculino dessa fantasia branca: o mulato malandro, chegado à festa e aos vícios muitos, fator de degeneração e de desequilíbrio social.

Estes e tantos outros fantasmas emergem de nosso passado escravista para ainda hoje habitarem o imaginário social brasileiro, onde fazem companhia a figurações como a do “bom senhor” ou do “bom patrão”; do “escravo contente” ou do seu oposto, o marginal sanguinário e psicopata, naturalmente voltado para o crime. Estas e tantas outras deturpações da identidade afro-brasileira inscrevem-se em nossas letras, tanto quanto no filme, na TV ou nos programas popularescos que se espalham pelas ondas do rádio. São estereótipos sociais largamente difundidos e assumidos inclusive entre suas vítimas, estereótipos que funcionam como poderosos elementos de manutenção da desigualdade.”

(Eduardo de Assis Duarte, “Literatura afro-brasileira: um conceito em construção”)”

“Literatura negra

Foi principalmente a partir da década de 1960, com o fortalecimento dos movimentos sociais organizados por negros e negras, que esse cenário começou a mudar. Em busca de romper com essa centenária coletânea de preconceitos e estereótipos veiculados pela literatura canônica brasileira, que frequentemente diminui ou apaga personagens negros, autores e autoras negros e negras passaram a publicar suas próprias obras como instrumento de subjetivação e determinação cultural.

Figuras como Luiz Gama, advogado e poeta romântico abolicionista do século XIX, ou Maria Firmina dos Reis, primeira autora mulher a escrever um romance abolicionista no Brasil, são frequentemente relegados ao esquecimento pelo cânone literário brasileiro, mas retomados como precursores do movimento pela literatura negra.

Conceição Evaristo, por exemplo, tem a maioria de suas obras protagonizadas por mulheres negras, e é a partir do substrato de suas vivências e de sua interioridade que se constroem os versos e tramas de sua obra. Solano Trindade reivindica a negritude e o fenótipo negro com orgulho e presença. Ana Maria Gonçalves retoma o tema da negra escravizada como sujeito consciente e revolucionário, relembrando levantes e resistências reais da história brasileira. Jarid Arraes, principalmente fazendo uso do cordel, também dá destaque às guerreiras quilombolas.”

Retrato de Conceição Evaristo

“São inúmeros autores e autoras engajados em retomar o ponto de vista do negro, desconsiderado continuamente pela literatura brasileira. Isso envolve um resgate da ancestralidade e da identidade negras, bem como a denúncia das opressões:

Mahin Amanhã

Ouve-se nos cantos a conspiração
vozes baixas sussurram frases precisas
escorre nos becos a lâmina das adagas
Multidão tropeça nas pedras
Revolta
há revoada de pássaros
sussurro, sussurro:
“é amanhã, é amanhã.
Mahin falou, é amanhã”.

A cidade toda se prepara
Malês
bantus
geges
nagôs
vestes coloridas resguardam esperanças
aguardam a luta

Arma-se a grande derrubada branca
a luta é tramada na língua dos Orixás
“é aminhã, aminhã”
sussurram
Malês
bantus
geges
nagôs
“é aminhã, Luiza Mahin falo”

(Miriam Alves, em Cadernos Negros: melhores poemas)

Futuro

que áfrica

está estampada

nas pupilas

da vó negra

que dança

a congada?

quantos zumbis

vão surgir

na poesia

da periferia maltratada?

é nzinga

que dança

e ocupa o abraço

da menina de tranças?

que orixá

olha

por esse menino

que ama

jogar bola?

um sopro ancestral

de tambores e vozes

nos protege

do mal

o moderno, o novo

deságuam no rio

tradicional

não há povo

sem história

sem memória

coletiva

e é na pele

que essa memória

continua viva

(Marcio Barbosa, em Cadernos Negros, vol. 31)

Contudo, essa produção literária ainda encontra desafios em ser incorporada ao cânone e é continuamente relegada à marginalidade. Assim, há uma dificuldade cabal em desfazer esses estereótipos e em veicular uma literatura comprometida com a representação da população brasileira como um todo. A relação entre literatura e realidade é evidente quando pesquisas como as da UnB revelam que o perfil do escritor brasileiro permanece o mesmo desde 1965, mantendo o privilégio de publicações das grandes casas editoriais a homens brancos. Para saber mais sobre o conceito de literatura negra e conferir mais exemplos de obras, leia: Literatura negra. 

Notas

|1| Maria de Lourdes Lopedote, “A literatura e a imagem afro-brasileira”, 2014.

Crédito de imagem: [1]: PaulaA75/Commons”

Por Luiza Brandino
Professora de Literatura Para Info Escola

RACISMO ESTRUTURAL

O racismo é um dos principais problemas sociais enfrentados nos séculos XX e XXI, causando, diretamente, exclusão, desigualdade social e violência.

Rosa Parks e Martin Luther King Jr., dois ícones da resistência negra contra a discriminação racial nos Estados Unidos

“Racismo é a denominação da discriminação e do preconceito (direta ou indiretamente) contra indivíduos ou grupos por causa de sua etnia ou cor. É importante ressaltar que o preconceito é uma forma de conceito ou juízo formulado sem qualquer conhecimento prévio do assunto tratado, enquanto a discriminação é o ato de separar, excluir ou diferenciar pessoas ou objetos.”

  • Tipos de racismo

→ Preconceito e discriminação racial ou crime de ódio racial
Nessa forma direta de racismo, um indivíduo ou grupo manifesta-se de forma violenta física ou verbalmente contra outros indivíduos ou grupos por conta da etnia, raça ou cor, bem como nega acesso a serviços básicos (ou não) e a locais pelos mesmos motivos. Nesse caso, a lei 7716, de 1989, do Código Penal brasileiro prevê punições a quem praticar tal crime.

→ Racismo institucional
De maneira menos direta, o racismo institucional é a manifestação de preconceito por parte de instituições públicas ou privadas, do Estado e das leis que, de forma indireta, promovem a exclusão ou o preconceito racial. Podemos tomar como exemplo as formas de abordagem de policiais contra negros, que tendem a ser mais agressivas. Isso pode ser observado nos casos de Charlottesville, na Virgínia (EUA), quando após sucessivos assassinatos de negros desarmados e inocentes por parte de policiais brancos, que alegavam o estrito cumprimento do dever, a população local revoltou-se e promoveu uma série de protestos.

→ Racismo estrutural
De maneira ainda mais branda e por muito tempo imperceptível, essa forma de racismo tende a ser ainda mais perigosa por ser de difícil percepção. Trata-se de um conjunto de práticas, hábitos, situações e falas embutido em nossos costumes e que promove, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Podemos tomar como exemplos duas situações:

  1. O acesso de negros e indígenas a locais que foram, por muito tempo, espaços exclusivos da elite, como universidades. O número de negros que tinham acesso aos cursos superiores de Medicina no Brasil antes das leis de cotas era ínfimo, ao passo que a população negra estava relacionada, em sua maioria, à falta de acesso à escolaridade, à pobreza e à exclusão social.
  2. Falas e hábitos pejorativos incorporados ao nosso cotidiano tendem a reforçar essa forma de racismo, visto que promovem a exclusão e o preconceito mesmo que indiretamente. Essa forma de racismo manifesta-se quando usamos expressões racistas, mesmo que por desconhecimento de sua origem, como a palavra “denegrir”. Também acontece quando fazemos piadas que associam negros e indígenas a situações vexatórias, degradantes ou criminosas ou quando desconfiamos da índole de alguém por sua cor de pele. Outra forma de racismo estrutural muito praticado, mesmo sem intenção ofensiva, é a adoção de eufemismos para se referir a negros ou pretos, como as palavras “moreno” e “pessoa de cor”. Essa atitude evidencia um desconforto das pessoas, em geral, ao utilizar as palavras “negro” ou “preto” pelo estigma social que a população negra recebeu ao longo dos anos. Porém, ser negro ou preto não é motivo de vergonha, pelo contrário, deve ser encarado como motivo de orgulho, o que derruba a necessidade de se “suavizar” as denominações étnicas com eufemismos.”
  • Racismo e preconceito

Não podemos resumir preconceito a racismo, visto que o preconceito pode advir de várias outras diferenças, como gênero, local de origem e orientação sexual. Porém, o racismo é uma forma de preconceito e, como as outras formas, manifesta-se de diversas maneiras, fazendo vítimas todos os dias.

Segundo a Revista Retratos, seção do site Agência de Notícias IBGE, vinculado ao Governo Federal, no senso do IBGE de 2016, os autodeclarados pretos ou pardos ainda eram maioria nos índices de analfabetismo e desemprego e obtinham menor renda mensal. Isso implica, segundo o site, a manutenção de um sistema excludente, que só poderia ser resolvido, segundo o Prof. Dr. Otair Fernandes, sociólogo e coordenador do Laboratório de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Leafro/UFRRJ), com a adoção de políticas públicas afirmativas para valorizar quem foi sistematicamente marginalizado e excluído da sociedade durante tanto tempo. Nesse caso, seriam necessárias mais que atitudes individuais (de conscientização), mas uma atuação dos poderes públicos para promover políticas de inserção e não exclusão dos pretos e pardos no Brasil.

O preconceito racial não é exclusivo do Brasil, visto que, em maior ou menor escala, todos os países colonizadores e colonizados apresentam, em algum grau, índices de preconceito racial contra negros ou, no caso de países colonizados, nativos daquele local. Também é importante ressaltar que uma ação de preconceito somente é considerada racista quando há uma utilização sistêmica e baseada em uma estrutura de poder e dominação contra a etnia da vítima.”

  • Causas do racismo

A discriminação pela origem pode ser reportada desde a Antiguidade, quando povos gregos e latinos classificavam os estrangeiros como bárbaros. A origem da designação do preconceito de raça, em específico, é mais nova, tendo sido alavancada nos séculos XVI e XVII pela expansão marítima e colonização do continente americano. O domínio do “novo mundo” (assim chamado pelos europeus), o genocídio dos povos nativos e a escravização sistêmica de povos africanos geraram um movimento de tentativa de justificação de tais relações de poder por uma suposta hierarquia das raças.

Os europeus consideravam, em sua visão eurocêntrica, que povos de origem europeia nata seriam mais inteligentes e capazes para dominar e prosperar, enquanto os negros e indígenas foram, por muitas vezes, considerados animais.

No século XIX, com o impulso positivista sobre as ciências, teorias científicas racistas surgiram para tentar hierarquizar as raças e provar a superioridade da raça branca pura. O filósofo, diplomata e escritor francês Arthur de Gobineau (1816-1882) é um dos que mais se destacaram nesse cenário com o seu Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas.

Surgiu também no século XIX um estudo baseado na antropologia, na fisiologia e na psicologia chamado de craniometria ou craniologia. Tal estudo consistia em retirar medidas de crânios de indivíduos e comparar as medidas com dados como propensão à violência e coeficientes de inteligência. Hoje em dia, contudo, os estudos sérios tanto com embasamento sociológico e psicológico quanto com embasamento genético não dão mais crédito às teorias racistas do século passado. O nazismo alemão e entidades como a Klu Klux Klan, nos Estados Unidos, utilizaram e utilizam essas teorias raciais ultrapassadas para justificar a supremacia da raça branca.”

“Homens da Ku Klux Klan com novos membros usando máscaras faciais em Stone Mountain, próximo da Geórgia, EUA, em 1949.”

“No Brasil, as causas do racismo podem ser associadas, principalmente, à longa escravização de povos de origem africana e a tardia abolição da escravidão, que foi feita de maneira irresponsável, pois não se preocupou em inserir os escravos libertos na educação e no mercado de trabalho, resultando em um sistema de marginalização que perdura até hoje.”

  • Racismo no Brasil

Quando a Lei Áurea foi promulgada, em 13 de maio de 1888, ficou proibida a escravização de pessoas dentro do território brasileiro. O Brasil foi o último grande país ocidental a extinguir a escravidão e, como aconteceu na maioria dos outros países, não se criou um sistema de políticas públicas para inserir os escravos libertos e seus descendentes na sociedade, garantindo a essa população direitos humanos, como moradia, saúde e alimentação, além do estudo formal e posições no mercado de trabalho.

Os escravos recém-libertos foram habitar os locais onde ninguém queria morar, como os morros, na costa da Região Sudeste, formando as favelas. Sem emprego, sem moradia digna e sem condições básicas de sobrevivência, o fim do século XIX e a primeira metade do século XX do Brasil foram marcados pela miséria e sua resultante violência entre a população negra e marginalizada.

Quanto à população indígena sobrevivente do genocídio promovido contra o seu povo, havia cada vez mais invasão de suas terras e desmembramento de suas aldeias. Essas ações sistêmicas promoveram e sustentam até hoje a exclusão racial em nosso país, o que resultou em diversos estudos sociológicos. Dentre eles, destacamos os estudos de dois pensadores brasileiros:

As favelas sustentam a ideia de exclusão racial e social desde a abolição da escravatura até os dias atuais

“→ Gilberto Freyre (1900-1987)
O historiador, sociólogo e escritor pernambucano, oriundo de família rica e tradicional, escreveu a primeira grande obra brasileira que trata das relações entre senhores e escravos no período colonial e imperial no Brasil, o livro Casa Grande e Senzala, publicado em 1936. Apesar do grande destaque que os escritos freyreanos ganharam na Sociologia brasileira, suas teorias centrais são muito criticadas por falarem de uma suposta formação nacional baseada em uma democracia racial existente nas relações entre negros e brancos.

Freyre não utiliza o termo “democracia racial” em Casa Grande e Senzala, mas descreve relações amistosas entre brancos e negros baseando-se na miscigenação do povo brasileiro, característica pouco comum em outros países que tiveram escravos de origem africana. O autor fala sobre um sistema de relações de poder nítido no período colonial, no qual a sociedade patriarcal privilegiava os homens, inclusive no caso de escravismo, pois a mulher negra seria a última na cadeia hierárquica.

Quando o senhor escolhia as escravas com quem ele queria relacionar-se, e isso era comum, as senhoras acabavam tomando rancor dessas escravas e maltratando-as. Assim, a visão de Freyre de uma democracia pela miscigenação não se sustenta, pois, segundo Ronaldo Vainfas, historiador e professor brasileiro, é “por constatar que os portugueses se sentiram sexualmente atraídos por índias, negras e mulatas que Freyre deduz, equivocadamente, a ausência de preconceito racial entre estes colonizadores”.

Essa miscigenação, fruto daquela suposta atração sexual dos colonizadores pelas negras e pelas índias, foi, na verdade, causa de estupros sistêmicos e de relações abusivas dos senhores, tratando as mulheres negras e indígenas como meros objetos.

Falando a respeito da ideia de hegemonia e superioridade da raça branca, ideologia em alta na Europa por causa do regime nazista, do fascismo na Itália e com ecos até aqui no Brasil, com o Integralismo, Freyre ainda argumenta contrariamente, dizendo que a miscigenação é que provocaria o melhoramento racial, o que resultaria no melhoramento e no enriquecimento genético dos brasileiros e que comporia a grande diversidade da formação social brasileira.”

“→ Florestan Fernandes (1920-1995)
Sociólogo e político paulista formado pela Universidade de São Paulo (USP), Florestan Fernandes veio de família humilde. Filho de mãe solteira e tendo que trabalhar desde sua infância, a sua produção intelectual voltou-se, em vários períodos, para pessoas de sua origem social. Crítico das ideias de Gilberto Freyre, Fernandes dedicou-se a estudar as relações entre miséria e a população negra no Brasil.

Sua tese de livre-docência, defendida na Universidade de São Paulo e intitulada A Integração do Negro na Sociedade de Classes, trata do racismo sistêmico e da persistente segregação dos negros na economia brasileira, que, na visão do pensador, começou com a escravidão e nunca foi superada.

A visão de Florestan Fernandes abre espaço para críticas em relação à democracia racial proposta por Gilberto Freyre e abre os olhos de intelectuais e autoridades sobre o racismo estrutural no Brasil. O fato é que houve, por aqui, um predomínio muito forte do racismo estrutural, durante anos imperceptível, ao passo que nos Estados Unidos havia um sistema oficial de segregação de raças, o que levou a um grande levante negro contra a discriminação.

Nos Estados Unidos, personalidades como Martin Luther King, Rosa Parks, Muhammad Ali e Malcolm X, além de movimentos radicais como os Panteras Negras, lutavam, uns utilizando-se da resistência pacífica e outros do combate, contra a segregação.”

“Ilustração de Malcolm X, um dos líderes do movimento negro nos Estados Unidos, na década de 1960”

“Lei para crime de racismo

Em janeiro de 1989, foi sancionada a lei nº 7716, que tipifica como crime qualquer manifestação, direta ou indireta, de segregação, exclusão e preconceito com motivação racial. Essa lei representa um importante passo na luta contra o preconceito racial e prevê penas de um a três anos de reclusão aos que cometerem crimes de ódio ou intolerância racial, como negar emprego a pessoas por sua raça ou acesso a instituições de ensino e a estabelecimentos públicos ou privados abertos ao público. Quando o crime de incitação ocorrer em veículos de comunicação, a pena pode chegar a cinco anos. Essa lei também torna crime a fabricação, divulgação e comercialização da suástica nazista para fins de preconceito racial.

Desde 2015, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei do então Senador da República Paulo Paim (PT – RS) que modifica o Código Penal brasileiro, tornando o racismo um agravante para outros crimes. Se implantado, o projeto de lei resultará em penas mais severas para os crimes de lesão corporal e homicídio, quando estes resultarem de ódio e preconceito racial.

Racismo reverso

Ultimamente, uma discussão que tem levantado opiniões divergentes nas redes sociais e na mídia em geral é se existe ou não o chamado racismo reverso. Racismo reverso seria a forma clássica de preconceito motivado pela raça, cor ou etnia, porém, contra brancos, ou de negros contra brancos. Os que concordam com esse posicionamento tendem a utilizá-lo como uma defesa, alegando que, muitas vezes, pessoas negras tecem ofensas racistas contra pessoas brancas. Para esclarecer esse assunto, precisamos observar alguns pontos.

Primeiro, o que é considerado racismo vai muito além de ofensas verbais. Temos um longo processo de segregação, muitas vezes institucionalizado, que mantém uma cadeia de exclusão dos negros da sociedade, da educação e da economia, os quais, na maior parte dos casos (inclusive na África do Sul, país com 40% da população branca), são dominadas por brancos.

Em segundo lugar, é preciso levar em conta os fatores históricos. Os negros foram sistematicamente escravizados, tratados como animais e, após a abolição do escravismo nos países ocidentais, excluídos e marginalizados. Isso significa dizer que existe uma cadeia de fatores históricos que tornam o preconceito e o ódio contra negros (e contra índios, que viveram situações similares) racismo.

Houve, inclusive, tentativas científicas de justificar tal prática. No entanto, nunca houve um momento na história moderna e contemporânea em que os brancos fossem escravizados por negros, tratados como animais e marginalizados social e economicamente. Por isso, é complicado tratar uma ofensa racial isolada contra pessoas brancas com a mesma gravidade com que se trata o racismo contra os negros e indígenas. Além disso, o racismo tende a ser ativo, enquanto o que se chama de racismo reverso, reativo, visto que ele resulta de um sistema racista que exclui as populações não brancas há anos.

De qualquer modo, a lição que podemos tomar é que o preconceito, a discriminação e o ódio contra quem é diferente (pela cor, religião, nacionalidade ou até pela orientação sexual) não deve ter mais espaço em nossa sociedade. O século XXI deve procurar o progresso, e o preconceito somente representa o atraso.”

“Racismo na escola

Infelizmente, o racismo ainda ocorre dentro da escola, podendo manifestar-se de maneira nítida e explícita ou de maneira disfarçada. Encontramos casos de discriminação racial cometidos por estudantes, por e servidores das instituições e por pais e mães de alunos contra os servidores escolares. Esse tipo de manifestação direta de racismo por parte das instituições foi comum em tempos mais antigos, quando a discriminação racial não era crime no Brasil ou quando a segregação racial oficial ainda acontecia – nos Estados Unidos, por exemplo.

Além do racismo explícito, casos de racismo estrutural são ainda frequentes nas instituições escolares brasileiras. Um exemplo disso é a discriminação contra os cortes de cabelo ou penteados afro, como o black power, tanto para meninas quanto para meninos negros. Outro exemplo é a manifestação de preconceito racial por meio da intolerância religiosa, quando praticada contra religiões de origem africana.”

“Discriminação contra cortes de cabelo de pessoas negras pode ser comum nas escolas.”

“Em seu livro Responsabilidade e Julgamento, a filósofa judia alemã, refugiada e erradicada nos Estados Unidos, Hannah Arendt, escreve um capítulo chamado Reflexões sobre Little Rock, dedicado a comentar sobre um fato ocorrido na cidade de Nova Orleans, em 1960. A pequena estudante Ruby Bridges, que com apenas seis anos de idade foi uma das seis crianças negras aprovadas para estudar em escolas frequentadas apenas por brancos em Nova Orleans, sofreu com o preconceito na escola, que, até então, era exclusiva para pessoas brancas.

A comunidade foi contra, e muitos alunos e familiares de alunos ameaçaram a família de Ruby. Alunos saíram da escola, e quase todos os professores recusaram-se a lecionar para Ruby, com exceção da professora Barbara Henry, que teria lecionado sozinha para a garotinha por mais de um ano.

Dwight Eisenhower, presidente dos Estados Unidos que contribuiu significativamente para o fim da segregação racial nas escolas e nas forças armadas americanas, designou quatro agentes federais que ficaram responsáveis por cuidar da segurança de Ruby em seu início escolar. Os policiais acompanhavam a menina no trajeto de casa à escola e ainda tinham que cuidar de sua segurança dentro da escola. Durante muito tempo, por medida de segurança, Ruby comeu apenas a comida trazida de casa para evitar possível envenenamento caso comesse o lanche oferecido pela instituição.”

“Casos de racismo

Casos de racismo chamaram a atenção dos brasileiros por envolverem pessoas famosas ou terem sido compartilhados nas redes sociais. Podemos destacar o caso do goleiro Aranha, então jogador do Santos, que em 2014 foi chamado de “macaco” por vários torcedores do Grêmio após o time sofrer derrota em um jogo da Copa do Brasil. O caso foi filmado, medidas legais foram tomadas, e o Grêmio foi expulso da Copa do Brasil.

Houve também, em 2015, uma ocorrência de discriminação racial em uma loja de grife situada na Rua Augusta, em São Paulo, em que um menino negro, filho adotado de um cliente branco, ouviu da atendente que ele deveria sair e não poderia ficar ali (na calçada, próximo à entrada da loja).

Infelizmente, o racismo é recorrente, e essa notoriedade negativa de certos casos ainda representa uma pequena parcela do racismo brasileiro. Nesses casos, as vítimas somente foram reconhecidas, amparadas e levantaram a opinião pública contra a discriminação racial porque havia pessoas instruídas e amparadas por um status social que os permitia ter voz. E os casos de racismo que nunca aparecerão na mídia? E os casos de pessoas ofendidas, discriminadas, violentadas e mortas, nas periferias e nos interiores, por representantes do Estado e por civis? Esses casos ainda são inúmeros e devem também chamar a atenção popular.

*Crédito da imagem: EQRoy / Shutterstock.com

Por Francisco Porfírio
Professor de Sociologia”

Como ficou a vida dos ex-escravos após a Lei Áurea?

Com a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888, aproximadamente 700 mil escravos conquistaram sua liberdade e enfrentaram novos desafios na condição de libertos.

Com a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888, aproximadamente 700 mil escravos conquistaram sua liberdade e enfrentaram novos desafios na condição de libertos.

“A abolição da escravatura, que aconteceu no Brasil em 13 de maio de 1888, foi um dos acontecimentos mais importantes de nossa história. Esse foi um assunto que atravessou o debate político no Brasil durante todo o século XIX, e a abolição só aconteceu por meio de uma campanha popular aliada à resistência dos escravos.

Com a abolição, os escravos conquistaram a sua liberdade e seus antigos donos não receberam nenhum tipo de indenização por isso. Uma pergunta muito importante que surge desse assunto é: como ficou a vida dos ex-escravos após a Lei Áurea? Assim, neste texto tentaremos trazer alguns esclarecimentos acerca das condições de vida dos libertos após o 13 de maio.”

“Contexto

Antes de tudo, é necessário entendermos um pouco do contexto pós-abolição. A luta pelo fim da escravidão no país foi algo que se estendeu durante todo o século XIX. Ao longo desse século, os escravos resistiram de diversas maneiras e em diversos locais do país. Seja por meio de fugas, seja por meio de revoltas, os escravos demonstraram diversas vezes a sua insatisfação.

A escravidão no Brasil era uma instituição que existia desde meados do século XVI, tendo sido introduzida pelos portugueses durante a colonização. Com a nossa Independência, essa instituição cresceu e tornou-se profundamente presente em nossa sociedade. A quantidade de escravos que entrou no Brasil via tráfico negreiro, a partir do século XIX, evidencia isso.

Três dados importantes que reforçam a presença do tráfico de escravos no Brasil são:

Na primeira metade do século XIX, cerca de 1,5 milhão de africanos desembarcaram no Brasil;|1|

Entre 1831 e 1845, cerca de 470 mil africanos foram enviados para o Brasil pelo tráfico;|2|

Entre 1841 e 1850, 83% dos africanos enviados para a América vieram para o Brasil.|3|

O primeiro passo para a abolição da escravidão em nosso país deu-se com a proibição do tráfico por meio da Lei Eusébio de Queirós, em 1850. Essa lei foi aprovada como forma de evitar um conflito com a Inglaterra — país que pressionava o Brasil, havia décadas, pelo fim do tráfico negreiro.”

“O tráfico negreiro foi uma atividade realizada entre os séculos XV ao XIX. Os prisioneiros africanos eram comprados nas regiões litorâneas da África para serem escravizados no continente europeu e no continente americano. Essa migração forçada resultou na chegada de milhões de cativos africanos ao Brasil. O tráfico passou a ser proibido em terras brasileiras somente em 1850, por meio da Lei Eusébio de Queirós.”

(como a gente já disse acima)

  • Como acontecia o tráfico negreiro

Como se iniciou o tráfico negreiro
O desenvolvimento do tráfico negreiro no Brasil está associado com a instalação da produção açucareira que aconteceu no país, em meados do século XV. O tráfico ultramarino de africanos, com o objetivo de escravizá-los, tem relação direta com a necessidade permanente de trabalhadores nos engenhos e também com a diminuição da população de indígenas.

Desde o início da colonização do Brasil por Portugal, os indígenas sofriam com a escravização, mas uma série de fatores fez a população de indígenas começar a diminuir. Primeiro, a violência dessa escravização, mas o fator mais relevante na diminuição da população indígena foi a questão biológica, uma vez que os indígenas não possuíam defesa biológica contra doenças, como a varíola.

Isso, porém, não fez com que a escravização de indígenas acabasse, mas fez com que uma alternativa despontasse. Além disso, havia a questão dos conflitos entre colonos e a Igreja, uma vez que a Igreja, por meio dos jesuítas, eram contrária à escravização de indígenas, pois os consideravam alvos potenciais para a conversão religiosa.

Outro fator relevante é o estranhamento cultural que existia nessa relação, pois os indígenas trabalhavam o suficiente para produzir aquilo que fosse necessário para o sustento de sua comunidade.

A lógica europeia de trabalho para produzir excedente e riqueza não fazia parte do meio de vida indígena e isso fez os europeus taxarem pejorativamente os indígenas de “inapropriados” para o trabalho. As constantes fugas dos indígenas, que conheciam a terra muito bem, também era outro fator relevante.

O último fator que explica o início do tráfico negreiro era o funcionamento do próprio sistema econômico mercantilista. Na lógica desse sistema, o tráfico ultramarino de escravos era um negócio relevante tanto para a metrópole quanto para colonos que se lançassem nesse empreendimento.

Dentro do funcionamento do sistema colonial escravista, a existência do tráfico negreiro atendia a uma demanda por escravos das colônias e, por ser uma atividade altamente lucrativa, atendia aos interesses da metrópole e da colônia.

Isso porque o envolvimento de Portugal com o tráfico de africanos, com o intuito de escravizá-los, era um negócio que existia desde meados do século XV. Os portugueses possuíam uma série de feitorias na costa africana e nela compravam africanos para enviá-los como escravos para trabalharem nos engenhos instalados nas ilhas atlânticas.

Concluindo, o entendimento dos historiadores, atualmente, a respeito desse assunto é que a escassez da mão de obra indígena e a instalação de um negócio que tinha alta demanda por escravos – a produção de açúcar – gerou uma demanda por outra mão de obra, e os comerciantes portugueses, identificando essa necessidade, ampliaram o tráfico negreiro a dimensões gigantescas.”

  • Como funcionava o tráfico negreiro
    O tráfico negreiro envolvendo os europeus iniciou-se no século XV, quando os portugueses instalaram feitorias pelo litoral do continente africano. Nessas feitorias, os portugueses mantinham contato com os reinos africanos, estabelecendo relações diplomáticas que os possibilitavam manter comércio, ao qual se incluía a venda de seres humanos. Com o tempo, outras nações europeias começaram a envolver-se com essa atividade e não apenas os portugueses.

O tráfico de africanos realizado pelos portugueses, a princípio, atendia suas necessidades internas e de suas ilhas atlânticas. No século XV, os africanos escravizados por Portugal eram utilizados em serviços urbanos, sobretudo em Lisboa, e eram utilizados na produção de açúcar nas ilhas atlânticas de Portugal (como Açores e Madeira).

Com o desenvolvimento da produção açucareira no Brasil, a demanda de Portugal e dos colonos instalados no Brasil aumentou consideravelmente e, já na década de 1580, cerca de três mil africanos desembarcavam no Brasil|1|. Apesar de concentrarem-se majoritariamente no litoral africano, os portugueses conseguiram penetrar na África Central e criar relações importantes com diversos reinos.

Entre as principais feitorias portuguesas na costa africana está a construída em Luanda, localizada em Angola. O historiador Roquinaldo Ferreira afirma que Luanda cumpriu “papel fundamental como centro de formulação e execução de operações militares contra reinos africanos, e como base de intensa diplomacia entre europeus e africanos”|2|.

Os escravos eram conseguidos por traficantes que obtinham os prisioneiros comprando-os, caso fossem prisioneiros de guerra, ou por meio de emboscadas realizadas pelos próprios traficantes. Os africanos, após terem sido feitos prisioneiros, eram levados a pé até os portos onde seriam revendidos para os portugueses (ou outros europeus). Nesses portos, os africanos eram marcados com ferro quente para identificá-los de qual comerciante eram.

Nesses portos, os africanos prisioneiros eram trocados por alguma mercadoria valiosa, que poderia ser tabaco, cachaça, pólvora, entre outros. Depois de vendidos para algum comerciante europeu, os africanos embarcavam no navio que os transportaria para a América ou Europa. Esse navio era chamado de tumbeiro, pelo fato de ser um local onde muitos dos escravos embarcados morriam.”

“Representação dos porões que abrigavam os africanos escravizados nos navios negreiros.”

“Os navios negreiros, em geral, comportavam, em média, de 300 a 500 africanos que ficavam presos nos porões em uma viagem que se estendia durante semanas. Partindo de Luanda, a viagem para Recife durava 35 dias, para Salvador durava 40 dias e para o Rio de Janeiro durava de 50 a 60 dias.

As condições de viagem eram extremamente desumanas, e os poucos relatos que existem da forma como os africanos eram trazidos para as Américas reforçam isso. O local no qual os africanos eram aprisionados (o porão) era geralmente tão baixo que os africanos não conseguiam ficar em pé e o espaço era tão apertado que muitos tinham que ficar na mesma posição durante um longo período.

A alimentação era escassa e era resumida a uma refeição por dia. O historiador Jaime Rodrigues aponta que no começo das viagens (quando a possibilidade de revolta dos africanos era maior), os traficantes de escravos davam uma quantidade de alimentos menor ainda, para evitar que eles se rebelassem|3|.

A água também quase nunca era potável e os alimentos disponibilizados eram feijão, farinha, arroz e carne-seca. A má alimentação, principalmente pela falta de uma dieta rica em vitaminas, fazia com que doenças, como o escorbuto (causada pela falta de vitamina C), fossem proliferadas. Outras doenças também se espalhavam pela sujeira dos locais que abrigavam os africanos. Os porões eram escuros, sujos e abarrotados de gente, de tal maneira que até respirar era difícil.

Outras doenças que grassavam nos navios negreiros eram varíola, sarampo e doenças gastrointestinais. A mortalidade média era de ¼ de todos os africanos embarcados|4|. Claro que poderia haver variações nas taxas de mortalidade, com algumas viagens tendo menor número de mortes e outras tendo um grande número de mortos.

Os relatos resgatados pelos historiadores já sugerem a motivação racista dos europeus no tráfico negreiro. Um exemplo foi trazido pelo historiador Thomas Skidmore com o relato de Duarte Pacheco, um navegante português que chamava os africanos de “gente com cara de cão, dentes de cão, sátiros, selvagens e canibais|5|.”

  • Tráfico negreiro no Brasil

Os africanos eram vendidos e informações como idade, sexo e origem eram importantes na hora de vendê-los.

O tráfico negreiro para o Brasil foi iniciado por volta da década de 1550, pelos motivos explicados anteriormente. O comércio ultramarino de escravos no Brasil estendeu-se por três séculos e encerrou-se somente em 1850, quando foi decretada a Lei Eusébio de Queirós. Na década de 1580, o tráfico negreiro já era uma atividade bem estabelecida no Brasil e teve sua atuação aumentada no período minerador.

Depois que o Brasil conquistou a sua independência, em 1822, o tráfico de africanos foi intensificado até a sua proibição definitiva, e, durante todo o período de existência desse negócio, o Brasil foi o país que mais recebeu africanos para a escravização no mundo. A quantidade de africanos trazidos para o Brasil e para a América é alvo de intenso estudo de historiadores.

O historiador Boris Fausto|6| afirmou que cerca de 4 milhões de africanos foram trazidos forçadamente para o Brasil. Thomas Skidmore|7|, apresentando dados de Philip B. Curtin, fala que o total de africanos trazidos foram de 3,65 milhões. A revisão desses números levou os historiadores à conclusão de que o total de escravos trazidos aproximou-se dos 5 milhões.

As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling|8| afirmaram que o número de africanos trazidos para cá foi de 4,9 milhões. Já Felipe Alencastro|9| afirma que esse número foi de 4,8 milhões. Essas duas últimas estatísticas mencionadas são as mais recentes dentro da produção historiográfica. Estima-se que entre 11-12 milhões de africanos foram trazidos para a América.

Ruínas do Cais do Valongo, local onde milhões de africanos foram desembarcados no Rio de Janeiro.

As regiões das quais a maior quantidade de africanos foi trazida para o Brasil foram Senegâmbia (Guiné), durante o século XVI, Angola e Congo, durante o século XVII, e Costa da Mina e Benin, durante o século XVIII. Durante o século XIX, os ingleses proibiram o Brasil de traficar africanos de locais acima da linha do Equador.

Ao todo, Angola correspondeu a 75% do total de desembarques de africanos no Brasil, e na primeira metade do século XIX, um grande número dos africanos enviados ao Brasil eram de Moçambique|10|. Os povos dos quais os africanos vieram foram variados, destaque para bantos, nagôs, hauçás, jejes etc.

Os colonos tinham preferência por escravos de diferentes povos, pois isso dificultava a possibilidade desses de se organizarem e de se rebelarem contra a escravidão. Os locais que mais recebiam desembarque de africanos escravizados foram Rio de Janeiro, Salvador e Recife, e depois poderiam ser comprados e enviados para diferentes locais do Brasil, como Fortaleza e Belém, por exemplo.

O escravo era um item com um preço bastante elevado, e o historiador Boris Fausto informou que um colono levava de 13 a 16 meses para recuperar o valor que era gasto. Depois que iniciou o ciclo de mineração, o preço do escravo subiu e passaram a ser necessários cerca de 30 meses de trabalho para que o valor gasto fosse recuperado|11|.

Os traficantes pagavam impostos na alfândega instalada nos portos por cada africano que tivesse idade superior a três anos e na venda do africano. Informações como sexo, idade e origem eram relevantes. Os africanos escravizados eram comprados para trabalhar na lavoura, engenhos ou mesmo em trabalhos domésticos. Com a descoberta de ouro em Minas Gerais, um grande volume de africanos foram enviados para trabalhar nas minas.

O tráfico negreiro existiu no Brasil até 1850, após um longo período, e a proibição desse negócio só aconteceu pela pressão dos ingleses e pela ameaça de guerra contra a Inglaterra por conta do Bill Aberdeen. Essa lei inglesa de 1845, permitia às embarcações britânicas invadir as águas territoriais do Brasil para caçar navios negreiros.

A proibição do tráfico negreiro aconteceu por meio da Lei Eusébio de Queirós, aprovada no ano de 1850, e com ela o governo iniciou uma forte repressão ao tráfico, fazendo com que essa prática acabasse rapidamente. Após a aprovação da lei, cerca de 6900 escravos foram desembarcados no Brasil até 1856|12| e depois disso a atividade acabou definitivamente.

Resumo

O tráfico negreiro iniciou-se no Brasil pela necessidade contínua de mão de obra escrava e foi resultado direto da diminuição do número de escravos indígenas.

O tráfico negreiro era uma atividade extremamente lucrativa e atendia aos interesses da Coroa, portugueses e colonos.

A presença portuguesa no continente africano ocorreu por meio de feitorias, as quais os permitiam criar laços comerciais com diferentes reinos africanos.

Os africanos obtidos para escravidão eram prisioneiros de guerra revendidos ou eram capturados em emboscadas elaboradas pelos traficantes.

A principal feitoria portuguesa instalada na África foi a de Luanda, e os escravos angolanos corresponderam a 75% do total desembarcado no Brasil.

Os africanos vinham nos tumbeiros aprisionados em péssimas condições nos porões dos navios em viagens que se estendiam de 1 a 2 meses.

O Brasil recebeu, aproximadamente, 4,8 milhões de africanos escravizados durante três séculos de tráfico.

O tráfico no Brasil só foi proibido por pressões inglesas que resultaram na aprovação da Lei Eusébio de Queirós, em 1850.

|1| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 81.
|2| FERREIRA, Roquinaldo. África durante o comércio negreiro. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 55.
|3| RODRIGUES, Jaime. Navio Negreiro. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 344.
|4| Idem, p. 347.
|5| SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 32.
|6| FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013, p. 47.
|7| SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 33.
|8| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 82.
|9| ALENCASTRO, Felipe. África, números do tráfico atlântico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 60.
|10| Idem, p. 60.
|11| FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013, p. 46-47.
|12| ALENCASTRO, Felipe. África, números do tráfico atlântico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 57.

Por Daniel Neves
Graduado em História”

DESDOBRAMENTOS

Polícia espanhola prende sete suspeitos por atos racistas contra Vini Júnior

Três pessoas foram detidas pelos atos racistas do último domingo (21), em Valência, e quatro foram presas por caso envolvendo boneco em ponte de Madri

O jogador brasileiro Vinícius Jr. foi hostilizado e sofreu insultos racistas por parte dos torcedores do Valencia no estádio de Mestalla. Mateo Villalba/Quality Sport Images/Getty Images

A polícia espanhola prendeu nesta terça-feira (23) três suspeitos por ataques racistas cometidos contra o brasileiro Vinícius Júnior, antes e durante a partida entre Valencia e Real Madrid, na cidade de Valência, na Espanha. As idades dos detidos variam entre 18 e 21 anos.

Mais cedo, outras quatro pessoas, entre 19 e 24 anos, foram presas pela polícia espanhola suspeitas de terem simulado o enforcamento do brasileiro com um boneco, em uma ponte de Madri. O caso aconteceu no fim de janeiro, antes de um dérbi entre Atlético de Madrid e Real Madrid.

Segundo as autoridades, três dos quatro suspeitos presos pelos fatos ocorridos na capital espanhola são membros da torcida organizada “Frente Atlético”.

Vini Júnior vem sendo alvo de casos sistemáticos de racismo em vários estádios e cidades da Espanha. O mais recente e generalizado deles foi no domingo (21), em Valência..

O jogador brasileiro chegou a postar um compilado desses crimes de ódio em suas redes sociais e pressionou as autoridades por punições mais severas. Vini também cobrou patrocinadores e redes de televisão que transmitem La Liga.

‘O que falta para criminalizarem essas pessoas? E punirem esportivamente os clubes? Por que os patrocinadores não cobram a La Liga? As televisões não se incomodam de transmitir essa barbárie a cada fim de semana?Vini Júnior, jogador do Real Madrid e da seleção brasileira’

“O problema é gravíssimo e comunicados não funcionam mais. Me culpar para justificar atos criminosos também não.”, completou o jogador brasileiro.

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Autor:

Helô Gomes
Helô Gomes é bacharel em jornalismo, premiada nacionalmente com a obra "Cordel de Moda - arte e Cotidiano na feira de Caruaru"; cobriu as principais semanas de moda do circuito Nova York, Londres, Milão, Paris, Rio e São Paulo, publicou e apresentou pesquisas científicas a convite da USP em Dublin, Moscou, Budapeste e Cracóvia, é apaixonada por literatura e arte e no Coletivo Lírico expressa todo seu olhar sobre a moda em forma de objetos de consumo afetivos

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