mulhere inesgotável: seja uma também

Viva Hilda viva!

Hilda Hilst está na moda.

É engraçado porque Hilda é aquela peça vintage que ninguém deu muita bola quando foi lançada à época, e de repente todo mundo encontrou no guarda roupa da avó ao mesmo tempo e decidiu que é coisa de mulher moderna. Que brusinha linda, e tava lá encostada.

Finalmente resolveram entender aquela mulher que sempre dizia “fico besta quando me entendem”.

Mas, será?

Hilda não é uma camiseta escrito FEMINISTA, aquela que hoje em dia vende em tudo que é fast fashion e que noto que muitos estão loucos para vestir na escritora. Ela era, na real, uma mulher privilegiada, de família rica, que me parece ter sempre se preocupado mais com ela mesma do que com qualquer coletivo. E, apesar de ter usado muito vestido haute couture do Dener, eles não eram pra ela. O hype não servia nela, era pequeno.

Mas ela pode ser uma camiseta escrito “Aflição de ser eu e não ser outra”, mais uma frase tão famosa sua. Mesmo nunca tendo aderido formalmente a nenhum movimento político, havia ali uma mulher cansada da maneira como as mulheres eram vistas na sociedade, e exausta do que ela mesma era obrigada a se submeter para tentar ser lida, por ser mulher.

Em uma entrevista, certa vez, Hilda justificou sua fuga de São Paulo para o interior assim: “Porque ou eu fico fazendo esse puta charme dia e noite, andando pelas ruas, falando nas universidades que eu sou caralhal, ou eu escrevo. Qual é o meu negócio?”. Não é muito diferente do que disse a maravilhosa Roxane “má feminista” Gray em seu livro “Fome”, lançado esse ano: que ela queria poder ser lida apenas, sem ser vista. É preciso ser vista, analisada fisicamente, para decidirem se ela é ou não uma mulher que tem valor? Como se a aparência da autora fosse parte fundamental da qualidade de seu trabalho.

Hilda não era uma mulher delicada e submissa, embora muitas vezes defendeu essa mulher em sua obra. Ao mesmo tempo em que construiu personagens fortes e contraventoras, como em “A Obscena Senhorita D”, criou montes de personagens masculinos que, sob sua perspectivas, julgaram mulheres que não se encaixassem nos padrões impostos socialmente. Mas a própria Hilda nunca se encaixou e, na verdade, nem tentou muito. Poeticamente contraditória, ela.

“Fico besta quando me entendem”. Hilda não é fácil de entender. Mas ficar tentando entendê-la a cada poema, a cada livro, a cada imagem daquele olhar cheio de uma sabedoria dura é, certamente, uma delícia.

em homenagem à essa inesgotável mulher, fizemos uma inesgotável brusinha!

  • inesgotável porque a gente quer que você viva tantos momentos lirificados com ela que, assim, ela vai ficar pra sempre num lugar super especial na sua memória mas miga sua loka ou migo seu loko por favor não joga a pobrezinha na máquina porque ela é pintada à mão com tecido 100% algodão sustentável! hahah

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Com afeto

Coletivo Lirico

feminismo e questões raciais na FLIP 2018

Feminismo e questões raciais na mesa mais aplaudida da quinta-feira:

A mesa “Amada vida” foi a mais contundente desta quinta-feira (26.07). Tanto na apresentação de abertura de Bell Puã, quanto em momentos das falas de Djamila Ribeiro e Selva Almada, o público, que ocupou todos os assentos do Auditório da Matriz e o do Auditório da Praça, aplaudiu de pé. Foi um sinal de que as falas das convidadas – que tocaram em temas como conservadorismo branco, racismo, feminicídio e as dificuldades de ser uma mulher negra – reverberaram na plateia.

A slammer pernambucana Bell Puã abriu a sessão apresentando Da pertença e do revide, na qual sua poesia falada fez as vezes de um grito contra a opressão que o povo negro sofre historicamente no Brasil. “Era uma vez um Brasil conservador: branco dono, preto propriedade”, declamou. “Minha pertença não é prisão, cozinha ou na mira da polícia. Aquela que não pertence a patrão nem a senhor de engenho”, completou de maneira enérgica.

Na sequência, as autoras leram trechos de seus livros: a argentina Selva Almada escolheu uma passagem inicial de Garotas mortas (Todavia, 2018), sua obra mais conhecida e que trata do feminicídio de três jovens ocorridos no interior da Argentina nos anos 80. No fragmento, uma rádio dá a notícia de que uma adolescente de San José – cidade próxima a Entre Ríos, local de origem da autora – havia sido assassinada com uma punhalada no coração enquanto dormia em sua própria cama.

“O feminicídio da Andrea, assassinada com uma facada no coração enquanto os pais dormiam no quarto ao lado, me alertou que as mulheres não estavam seguras em lugar algum, fosse nas ruas ou nas próprias casas. O crime aconteceu quando eu começava a me tornar adulta, e foi uma revelação brutal para mim do que é ser mulher, da minha essência”, disse a autora. Tanto o crime contra Andrea como o das outras duas personagens do livro seguem sem solução até hoje.

Djamila Ribeiro leu um excerto de Que tem medo do feminismo negro? (Companhia das Letras, 2018). O trecho narra a relação afetiva que mantinha com sua avó, que a ensinava a trançar os cabelos. A obra da filósofa e militante é uma das mais celebradas da literatura brasileira recente e trata dos processo de apagamento da personalidade pelo qual passou por ser mulher e negra. No livro, a autora explica como, ao entrar em contato com a obra de autoras negras – entre elas Chimamanda Ngozi Adichie, Bell Hooks e Conceição Evaristo –, finalmente tomou coragem para nomear a invisibilidade que sentia.

A violência física narrada por Selva Almada se traduz na obra de Djamila Ribeiro de maneira simbólica. “Passei longos anos da minha vida não me aceitando, não gostando de quem eu era. Quando comecei a ter contato com obras de feministas negras, comecei a enxergar o mundo pela perspectiva daquelas mulheres. Eu não era tímida, eu tinha sido silenciada. Minha luta é para existir como mulher negra de modo não pautado pelo colonialismo”, disse.

Ambas as escritoras falaram da importância de que o feminismo seja compreendido de maneira ampla e múltipla, já que o movimento feminista tradicionalmente volta a atenção para mulheres brancas, de classe média e universitárias. Djamila alertou para a necessidade de se pensar em ações específicas de mulheres negras, e Almada sobre como mulheres pobres e aborígenes da Argentina também nunca tiveram um olhar atencioso sobre as suas questões. “O feminismo não é um movimento feminino, é um movimento social”, finalizou Djamila.

 

Via Flip.org

FLIP 2018: dois poemas pra você ler e se sentir dentro da Festa Literária de Paraty

Oi pessoal,

Coletivo Lírico falando ao vivo e a cores (cheiros, paladares e todos os outros sentidos que vocês puderem sentir do lado daí da telinha do celular ou computador) direto da 15a Festa Literária Internacional de Paraty!

Tudo bem com vocês?

Que delícia sentir os nossos sentidos, né? Fiquei aqui pensando como o Professor Pasquale acabou com o pleonasmo pra gente. É feio na gramática mas na vida é tão lyndo, tão dramático, né? Não sei com vocês mas, pra mim, passa a imagem de alguém que fala comigo olhos nos meus olhos bem no fundo, sabe? Ah, e falando em Pasquale, ele também cometeu muito bullying linguístico com o gerúndio, né, uma tristeza só porque a vida estando sendo no presente é tão mágica! Acho o agora é tão eterno! <3

Pois bem, tudo isso pra dizer que Fernanda Montenegro abriu a Flip 2018 – embaixo de chuva, o que não impediu a performance (até porque ela estava no coberto haha); novas amizades surgindo a partir do compartilhamento de guarda-chuvas do lado de fora, de desistências por motivos de frio (só ficou mesmo quem estava afim de poesia) e de aconchego no coração por motivos de ê-ba, começou mais um acampamento do pensamento lírico!!!

(pra quem não sabe, foi na FLIP que o Coletivo surgiu (se quiser ler a história da Helô Gomes, só clicar aqui).

E, para abrir a festa que celebra toda boa invenção poética, Montenegro inaugurou a mesa com duas leituras, aqui vão elas:

Poemas aos Homens do nosso Tempo

Amada vida, minha morte demora.

Dizer que coisa ao homem,

Propor que viagem? Reis, ministros

E todos vós, políticos,

Que palavra além de ouro e treva

Fica em vossos ouvidos?

Além de vossa RAPACIDADE

O que sabeis

Da alma dos homens?

Ouro, conquista, lucro, logro

E os nossos ossos

E o sangue das gentes

E a vida dos homens

Entre os vossos dentes.

Lindo, né? Hoje vi uma camiseta que dizia assim: “enquanto vocês capitalizam a realidade eu socializo sonhos!” achei tão linda, fiquei com vontade de fazer aqui também! O que acham?

A segunda leitura foi uma crônica, segue:

E.G.E.

(Esquadrão Geriátrico de Extermínio)

Crônica de Hilda Hilst para o “Correio Popular” de Campinas-SP

 

      O poeta pode ser violento. A maior parte das vezes contra si mesmo. Um tiro no peito, gás, veneno, um tiro na boca, como fez Hemingway, que também foi poeta em O Velho e o Mar; Maiakóvski, um tiro no peito; Sylvia Plath, gás de cozinha; Ana Cristina César, um salto pelos ares; etc etc etc. “Os delicados preferem morrer”, dizia Drummond. Mas esta modesta articulista, sobretudo poeta, diante das denúncias feitas pela revista Veja, todos aqueles poços perfurados em prol de uma única pessoa ou em prol de amiguelhos de sua excelência, presidente da Câmara, senhor Inocêncio (a indústria da seca), e o outro com seu lindo carro às custas de gaze e esparadrapo… Credo, gente, quando você vê televisão ou in loco o povão famélico, desdentado, mirrado… Um amigo meu foi para o Ceará e passou os dias chorando! As crianças todas tortas, todos pedindo comida sem parar… e 500 toneladas de farinha apodrecendo… e montes de feijão desviados para uma só pessoa… (um parênteses, porque meu coração de poeta pede a forca, o fuzilamento, cadeia, cadeia para aqueles que se locupletam à custa da miséria absoluta, da dor, da doença). Gente, eu já estou uma fúria e para ficar mais calma proponho algumas coisas mais sutis, por exemplo: o Esquadrão Geriátrico de Extermínio, a sigla óbvia seria EGE. Arregimentaríamos várias senhoras da terceira idade, eu inclusive, lógico, e com nossas bengalinhas em ponta, uma ponta-estilete besuntada de curare (alguns jovens recrutas amigos viajariam até os Txucarramãe ou os Kranhacarore para consegui-lo) nos comícios, nos palanques, nas Câmaras, no Senado, espetaríamos as perniciosas nádegas ou o distinto buraco malcheiroso desses vilões, nós, velhinhas misturadas às massas, e assim ninguém nos notaria, como ninguém nunca nota a velhice. Nossas vidas ficariam dilatadas de significado, ó que beleza espetar bundões assassinos, nós faceiras matadoras de monstros!

      O curare é altamente eficiente, provoca rapidinho a paralisia completa de todos os músculos transversais (bunda é transversal?) e em seguidinha sobrevém a morte por parada respiratória. Ficaríamos todas ao redor do coitadinho, abanando: óóóó, morreu é? Um pedido ao presidente Itamar: severidade, excelência, é ignominioso, indigno, insultante para todos nós, deste pobre Brasil tão saqueado, que essas terríveis denúncias terminem no vazio, no nada, na impunidade. É sobretudo perigoso porque:

      de cima do palanque

      de cima da alta poltrona estofada

      de cima da rampa

      olhar de cima

       LÍDERES, o povo

      Não é paisagem

      Nem mansa geografia

      Para a voragem

      Do vosso olho.

      POVO, POLVO

      UM DIA.

 

      O povo não é o rio

      De mínimas águas

      Sempre iguais.

      Mais fundo, mais além

      E por onde navegais

      Uma nova canção

      De um novo mundo.

 

      E sem sorrir

      Vos digo:

      O povo não é

      Esse pretenso ovo

      Que fingis alisar,

      Essa superfície

      Que jamais castiga

      Vossos dedos furtivos.

      POVO. POLVO.

      LÚCIDA VIGÍLIA.

      UM DIA.

foi aplaudida de pé sim ou obviamente?

+ aqui tem post com 4 poemas arrebatadores de Hilda Hilst

+ aqui tem post com conhecimento rápido literário: uma rapidinha com Hilda Hilst

+ e, aqui  tem a nossa homenagem a essa mulher “inesgotável” <3

Quatro arrebatadores poemas de Hilda Hilst

Sonetos que não são

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha).

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel.

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
Hilda Hilst, in “Do Amor”.

***

Como se te perdesse, assim te quero
Como se te perdesse, assim te quero
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
Hilda Hilst, in “Do Amor”.

***

Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.

Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.

O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”.
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.

E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.
Hilda Hilst

***

Honra-me com teus nadas

Honra-me com teus nadas.
Traduz me passo
De maneira que eu nunca me perceba.
Confunde estas linhas que te escrevo
Como se um brejeiro escoliasta
Resolvesse
Brincar a morte de seu próprio texto.
Dá-me pobreza e fealdade e medo.
E desterro de todas as respostas
Que dariam luz
A meu eterno entendimento cego.
Dá-me tristes joelhos.
Para que eu possa fincá-los num mínimo de terra
E ali permanecer o teu mais esquecido prisioneiro.
Dá-me mudez. E andar desordenado. Nenhum cão.
Tu sabes que amo os animais
Por isso me sentiria aliviado. E de ti, Sem Nome
Não desejo alívio. Apenas estreitez e fardo.
Talvez assim te encantes de tão farta nudez.
Talvez assim me ames: desnudo até o osso
Igual a um morto.
Hilda Hilst, in “Sobre a tua grande face”, 1986.

amável, mas indomável

Hilda Hilst nasceu em 21 de abril de 1930, na cidade interiorana de Jaú, no Estado de São Paulo. Foi poeta, escritora e dramaturga. É a homenageada da FLIP – Festa Literária de Paraty – deste ano, 2018.

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