Com um jeito divertido, irônico e incisivo de escrever, Machado de Assis analisou a sociedade, as emoções humanas e a complexidade da mente de uma forma tão profunda que ele nem sequer poderia imaginar quantos conceitos citados por ele seriam descobertos anos depois por Sigmund Freud. Autodidata, o autor carioca teve um acesso limitado à educação formal. Entretanto, isso não o impediu de se tornar um dos maiores nomes da literatura brasileira e – agora – também um precursor da psicanálise antes mesmo de Sigmund Freud iniciar os estudos sobre a psique.
Esta é a descoberta inédita que o pesquisador sobre narcisismo, mestre em Filosofia e psicólogo, Adelmo Marcos Rossi, apresenta no livro O Imortal Machado de Assis – Autor de Si Mesmo, após A Cruel Filosofia do Narcisismo (2021). Ao se debruçar sobre a extensa obra machadiana, composta por romances, crônicas, poemas, peças teatrais e contos, ele mostra, em mais de 450 páginas, os conceitos sobre os quais o Bruxo do Cosme Velho se apoiou.
De acordo com Adelmo, Machado de Assis tomou o narcisismo como elemento central de sua analítica desde o primeiro conto “Três Tesouros Perdidos” (1858), publicado quando ele tinha somente 19 anos. Já a “cura pela fala”, concepção freudiana sobre a importância da palavra no processo terapêutico, aparece sob o princípio em latim “Similia similibus curantur”, que significa “o mesmo se trata com o mesmo”.
Enquanto Freud queria alcançar “a imortalidade do Eu” (O Narcisismo, 1914), como criador de uma nova ciência, incluindo tardiamente o Narcisismo na psicanálise, Machado havia percebido o Narcisismo estrutural tomando-o como ponto de partida. Freud dirá que a literatura – a arte das palavras – era superior à ciência na busca de desvendar os mistérios da alma humana, e Machado tinha essa compreensão sem ter lido a obra de Freud. (O Imortal Machado de Assis – Autor de Si Mesmo, p. 14)
O pesquisador traça, no início do livro, um paralelo entre vocábulos conceituais empregados por Machado de Assis e termos cunhados pelo pai da psicanálise: amor de transferência, castração, recalque, chiste, acontecimento imprevisto, inconsciente e outros. A obra está dividida em 24 capítulos independentes, que podem ser lidos em qualquer ordem.
Em O Imortal Machado de Assis – Autor de Si Mesmo, os leitores compreenderão como o escritor de “Memórias póstumas de Brás Cubas” (1881) fundou uma espécie de psicologia sob a forma de literatura. Enquanto Sigmund Freud foi fundamental para a área da ciência e conceituou termos importantes para a compreensão da psique humana, a obra machadiana pode não ter criado esse instrumental, mas apresentou a psicologia e as tramas da mente por meio da ficção.
Ficha técnica Título: O Imortal Machado de Assis – Autor de Si Mesmo Autor: Adelmo Marcos Rossi ISBN: 978-65-5389-082-4 Páginas: 456 Preço: R$ 120 Onde encontrar:Amazon
Sobre o autor: Engenheiro civil (UFES, 1980), mestre em Ciência de Sistemas (Tóquio, 1990), psicólogo (UFES, 2010), mestre em Filosofia (UFES, 2015) e microempresário, Adelmo Marcos Rossi dedica quase 15 anos aos estudos sobre psicanálise. Fundador do Grupo de Pesquisa do Narcisismo, também é autor do livro “A Cruel Filosofia do Narcisismo – Uma Interpretação do Sonho de Freud” (2021). Após um longo período de pesquisa acerca das relações entre as obras machadiana e freudiana, publicou O Imortal Machado de Assis – Autor de Si Mesmo.
Vocês já reparam nos adjetivos que as pessoas usam frequentemente para falar da sua personalidade?
Eu não costumava acreditar muito, mas, quando diferentes almas, de diferentes tribos, se referem a mim da mesma maneira, confesso que paro para prestar atenção, afinal de contas, devo estar transmitindo aquela vibe mais do que penso.
Outro dia quiseram me entrevistar para falar de esporte de alto rendimento, por exemplo. Coloquei-me no meu lugar e encaminhei a pauta para uma amiga, porque, convenhamos, sou triatleta extremamente amadora. Eu treino um grão de areia perto do que as pessoas que realmente vivem desse esporte.
Porém, quando me perguntam sobre livros – essa semana participei de um videocast, quando for ao ar trago pra vocês -, em que a Beatriz Stopa me pediu uma dica: como começar a ler?!
Parei, respirei, pensei, e respondi: acredito que todo mundo gosta de literatura, se você não consegue emendar um livro é porque aquele não é seu tipo de narrativa. É simples assim.
Tem livro para todo tipo de gosto, todo tipo de nicho e minha dica é procurar os clássicos, aqueles livros que venceram o crivo do Tempo (na minha humilde opinião, o mais crítico de todos).
Aproveite a trend do Machado de Assis no Tik Tok, por exemplo, e tire seu Dom Casmurro ou Memórias Póstumas de Brás Cubas da estante. Machado é a fórmula de Baskhara para quem é do povo de humanas, não à toa fez parte da nossa grade curricular.
E comece sem se cobrar: durante uma semana, leia apenas uma folha por dia.
Uma folha, sim, você leu direito. Na segunda semana, comece com uma página (frente e verso).
Na terceira semana continue tranquila uma página por dia (é importante fazer leitura intervalada e contínua, assim como a gente faz na corrida: aquece, esquenta vai pro tiro, volta). Mantenha essa frequência e quando chegar na quarta semana, aumente para três páginas por três dias. Uow, dá até uma onda. Nos restantes 4 dias volte para uma página por dia.
Na quinta semana, volte para uma folha por dia. Se você fizer certinho, vai dar vontade de continuar acelerada, mas cuidado para, assim como na corrida, não quebrar no meio da leitura e acabar parando de vez. Lembre-se que você está com um clássico em mãos, ele é profundo e deve ser apreciado quando percorrido, não confunda velocidade com qualidade.
Siga nesse pace de leitura até o final da obra.
Depois, se puder, me chame. Quero saber o tesão que você sentiu. Terminar um Machado de Assis é orgasmático. Indico.
Estava eu aqui em meio às minhas leituras, quando me deparo com um interessante trecho de Machado de Assis,
separei pra vocês:
Capítulo XI, página 29, Quincas Borba, Machado de Assis:
No começo da semana seguinte, recebendo os jornais da Côrte (ainda assinaturas de Quincas Borba) leu Rubião esta notícia em um dêles:
“Faleceu ontem o Sr. Joaquim Borba dos Santos, tendo suportado a moléstia com singular filosofia. Era homem de muito saber, e cansava-se em batalhar contra esse pessimismo amarelo e enfezado que ainda há de nos chegar aqui um dia; é a moléstia do século. A última palavra dêle foi que a dor era uma ilusão, e que Pangloss não era tolo como o inculcou Voltaire… Já então delirava. Deixa muitos bens. O testamento está em Barbacena”.
Pangloss é um dos meus personagens favoritos da literatura mundial: é o otimista convicto da obra Cândido ou o Otimismo, de Voltaire, que faz um retrato satírico de seu tempo.
Escrito em 1758, a obra situa o leitor entre fatos históricos como o terremoto que arrasou Lisboa em 1755 e a Guerra dos Sete Anos (1756-63), enquanto critica com bom-humor as regalias da nobreza, a intolerância religiosa e os absurdos da Santa Inquisição. Machado de Assis sabia da importância da obra, daí a referência.
No livro – que, aliás, eu indico fortemente a leitura, não importa o que aconteça, Pangloss sempre acha um motivo para ver a situação como positiva. Dono de um otimismo caricatural, repete ao longo da narrativa o bordão “Tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos”, mesmo diante das maiores desgraças e sofrimentos.
Recomendo a leitura pois parece que o mal do século passado “o pessimismo amarelo e enfezado” parece ter sido transmitido também para nossos Tempos: a ansiedade é uma emoção normal que representa um “sinal de alarme” ao perigo ou ameaça real ou imaginária, representando um fator evolutivo de proteção. No entanto, quando exacerbada e desproporcional, pode constituir um problema de saúde que deve ser tratado.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas: 9,3% da população. Há também um enorme alerta sobre a saúde mental dos brasileiros, já que uma em cada quatro pessoas no país sofrerá com algum transtorno mental ao longo da vida. Sério, não?
E se a gente for pensar bem, adiantar “problemas” mentalmente é uma forma que nosso cérebro utiliza para não ser pego de surpresa pela vida, mas, ao mesmo tempo, nos tira o que temos de mais precioso, como diria Pangloss: o presente do presente – sem pleonasmo.
De nada vale aprender a viver apenas no dia de nossa morte. ;)
Em tempo: O Doutor Pangloss, figura criada para debochar o idealismo clássico alemão, é personagem da obra Candide, ou l’optimisme, no original), de Voltaire (1694-1778), foi citado por Machado de Assis ao todo por 6 vezes, sendo elas:
Estava eu aqui em meio às minhas leituras, quando me deparo com um interessante trecho de Machado de Assis,
separei pra vocês:
Capítulo XI, página 29, Quincas Borba, Machado de Assis:
No começo da semana seguinte, recebendo os jornais da Côrte (ainda assinaturas de Quincas Borba) leu Rubião esta notícia em um dêles:
“Faleceu ontem o Sr. Joaquim Borba dos Santos, tendo suportado a moléstia com singular filosofia. Era homem de muito saber, e cansava-se em batalhar contra esse pessimismo amarelo e enfezado que ainda há de nos chegar aqui um dia; é a moléstia do século. A última palavra dêle foi que a dor era uma ilusão, e que Pangloss não era tolo como o inculcou Voltaire… Já então delirava. Deixa muitos bens. O testamento está em Barbacena”.
Pangloss é um dos meus personagens favoritos da literatura mundial: é o otimista convicto da obra Cândido ou o Otimismo, de Voltaire: no livro, não importa o que aconteça, Pangloss sempre acha um motivo para ver a situação como positiva. Falta de dinheiro, saúde ou amigos, ele sempre arruma um jeito de ver o melhor de tudo. É um ícone. Indico a leitura pois parece que o mal do século passado “o pessimismo amarela e enfezado” parece ter sido transmitido também para nossos Tempos.
Alô turma do livro, quem gosta ou tem vontade de conhecer mais sobre o Machado de Assis, fica aqui a dica do perfil Pedro Borges, no Instagram, o @pedro.borges.jr
“Língua é a carne do verbo”
Logo na biografia você vê que lá vem boa gramática, boa literatura e boa prosa:
Ele é professor, redator e roteirista e agora está ministrando aulas No SESI São José dos Campos (vai lançar livro digital logo logo) com o tema “Machado de Assis: influencer – conselhos machadianos para artistas aspirantes do século XXI”?
Batemos um papo com Pedro, que você confere a seguir:
1) quando começou sua paixão por Machado de Assis? Com qual obra?
Quando estava prestando vestibular. Dom Casmurro.
2) Dica pra quem nunca leu Machado, por onde começar?
Existem contos bem interessantes e que não são “difíceis”, embora sejam profundos. Um apólogo, Noite de Almirante, A cartomante, Pai contra mãe, O caso da vara. Memórias Póstumas de Brás Cubas pode ser uma leitura divertida pra quem sacar de cara que o narrador é um cínico. E Dom Casmurro permite pelo menos dois tipos de leitura.
3) Traiu ou não traiu?
Não é possível afirmar. Na época do lançamento, o romance era lido como uma história de adultério. Depois, perceberam que o narrador não era uma pessoa muito confiável. Em 1960, uma crítica afirmou que não houve traição. Mas esse não é o ponto do romance, pra mim, e sim a construção de um narrador tão complexo, manipulador e mesquinho como é o Bento Santiago.
4) Na sua opinião, qual obra melhor aparecem todas as melhores characteristics de Machado?
ele tem uma crônica que fala sobre como as pessoas devem se comportar nos bondes. Acho ótima! E também atual.Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro (não consigo escolher só uma). A ironia, a crítica à burguesia e a sociedade escravocrata, à hipocrisia e a falta de esperança na humanidade, está tudo nessas obras, e em grande estilo.
5) Machado tbm foi um ótimo cronista. Você tem alguma favorita? Se sim, qual?
Ele tem uma crônica que fala sobre como as pessoas devem se comportar nos bondes. Acho ótima! E também atual. O nome dela é: “Regra para uso dos bondes”, escrita pelo autor e publicada originalmente na Gazeta de Notícias, em julho de 1883:
Para ler texto completo da obra do Machadode Assis, só clicar aqui.
6) Assim como Manuel Bandeira se inspirou em Proust, trauzindo seus livros, quais escritores você acredita que inspiraram Machado?
No começo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, há uma lista de escritores que o inspiraram, pelo menos na segunda fase. Mas ele também era fã de José de Alencar, especialmente na primeira fase. Superou muito m mestre, né? Ah, ele também admirava Shakespeare, claro!
Para fornecer as melhores experiências, usamos tecnologias como cookies para armazenar e/ou acessar informações do dispositivo. O consentimento para essas tecnologias nos permitirá processar dados como comportamento de navegação ou IDs exclusivos neste site. Não consentir ou retirar o consentimento pode afetar negativamente certos recursos e funções.
Funcional
Sempre ativo
O armazenamento ou acesso técnico é estritamente necessário para a finalidade legítima de permitir a utilização de um serviço específico explicitamente solicitado pelo assinante ou utilizador, ou com a finalidade exclusiva de efetuar a transmissão de uma comunicação através de uma rede de comunicações eletrónicas.
Preferências
O armazenamento ou acesso técnico é necessário para o propósito legítimo de armazenar preferências que não são solicitadas pelo assinante ou usuário.
Estatísticas
O armazenamento ou acesso técnico que é usado exclusivamente para fins estatísticos.O armazenamento técnico ou acesso que é usado exclusivamente para fins estatísticos anônimos. Sem uma intimação, conformidade voluntária por parte de seu provedor de serviços de Internet ou registros adicionais de terceiros, as informações armazenadas ou recuperadas apenas para esse fim geralmente não podem ser usadas para identificá-lo.
Marketing
O armazenamento ou acesso técnico é necessário para criar perfis de usuário para enviar publicidade ou para rastrear o usuário em um site ou em vários sites para fins de marketing semelhantes.